quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"E ninguém te lê"

Eu estava me lembrando agora de uma trovinha jocosa, não me lembro do autor (me ajudem os leitores, se houver leitores):

Ah, Mallarmé, Mallarmé
A carne é triste
E ninguém te lê.

As não palavras


Eu nada te disse
da solidão
não houve tempo
de explicar
que me sentia só
ao teu lado
da mesma forma
que no frio alvo
na imensidão
silenciosa das
Montanhas Rochosas.
Não houve tempo
nem ocasião
antes que tua
ausência fizesse
dessa solidão
algo líquido
bebida de goles amargos
lágrimas de saudade salgada.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Arco-íris

Houve um momento em que a tarde parou.

Não se sabia se o balé dos astros
forjavam destinos inesperados
ou se luas e planetas e estrelas
pairavam sem serviço
no descanso dos ponteiros
do inexorável Tempo.

No momento imóvel
nuvens cinzas se aglomeravam
grávidas de gotas de chuva
e um sol de saída ainda presente
derramava sua luz hesitante
sobre as árvores caladas.

Não se sabia
se as nuvens se ensolaravam
ou se o sol se chovia
e por via
de tão agudas dúvidas
a viúva
não se casaria
mesmo que cantassem as crianças:
"Sol e chuva
casamento de viúva".

As pesadas nuvens
soltaram os primeiros pingos
o sol competitivo
esticou alguns dos seus raios
e assim findou-se
o recreio do Tempo:
vento soprou sobre a terra
moveu as nuvens
que se derramaram
à luz do sol poente

e o céu se pintou de sete cores.

Eram os deuses novamente
insistindo na aliança:
não havemos de destruir os homens
em imobilidade eterna.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Novembro

O mês de novembro chegou com suas tardes longas, quentes e ruidosas - as cigarras cantam chamando o verão, colorindo os flamboyants que daqui a pouco vão florir por nossa cidade, com suas flores vermelhas - pedaços de fogo sobre o azul do céu.
Novembro me dá ganas de abandonar as obrigações, de andar descalça, tomar sorvete, de ceder ao cansaço acumulado pelo ano que já começa a se despedir.
Novembro me deixa reflexiva - do susto com a passagem rápida do tempo ("E lá se vai mais um ano!"), do inexorável tempo do dia de Finados, começo a pensar na renovação, num novo ano que se aproxima cheio de promessas. E já começo minha contagem regressiva para o Natal e suas guloseimas, para o Ano Novo e suas bolhas de champagne e abraços de paz e prosperidade.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Uma interessante análise da imprensa nacional

Eu queria ter escrito o artigo abaixo (momento inveja!!!). Ele analisa a linguagem de algumas manchetes dos jornais impressos e reportagens televisivas nas últimas quarta e quinta-feira. Leiam, reflitam, deliciem-se, divulguem. E entrem na página do Observatório da Imprensa - os textos são muito bons e nos ajudam a analisar de forma mais crítica o nosso "jornalismo".
 
O atentado de Campo Grande
Luciano Martins Costa 

Foi mais ou menos como num jogo de futebol: o zagueiro encosta no atacante, o atacante se atira dentro da área, rolando, se contorcendo, na esperança de que o árbitro apite um pênalti. Mas as câmaras são soberanas. Elas mostram que o zagueiro mal tocou no centroavante, que o atacante se atirou, que não está machucado, que está simulando. Ainda assim, alguns narradores gritam: "Pênalti!". E no dia seguinte, os analistas vão bater boca o dia inteiro: foi, não foi, o juiz acertou, o juiz roubou.
Na cena reproduzida pelo Jornal da Record, o candidato José Serra vem caminhando, sorridente, pela rua do comércio de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Vem cercado de correligionários e seguranças. Mais adiante, seu caminho está bloqueado por uma passeata de petistas, que podem ser identificados por suas bandeiras vermelhas.
A comitiva do candidato oposicionista segue na direção dos adversários, arma-se um rápido entrevero, no qual um petista é agredido por três acompanhantes do candidato Serra, que está abrigado à porta de uma loja.
Apartam-se as brigas, Serra retoma a caminhada.
Então, alguma coisa o atinge na cabeça.
Pela câmara da TV Record, observa-se que o candidato apenas passa a mão na cabeça, constatando que não está ferido. É levado, então, por seus acompanhantes para um hospital.
Corta para o médico que o atendeu. A frase é clara: ele não tem nem um arranhão. A reportagem esclarece: o candidato foi atingido por um rolinho de plástico, um desses adesivos de campanha amarrotado.
Agora, a mesma cena no Jornal Nacional, da TV Globo: tudo quase igual, exceto no momento em que José Serra é atingido. Substitui-se, então, a imagem em movimento, que mostra apenas um susto da vítima, por uma fotografia, tirada de cima para baixo, de efeito muito mais dramático.
Quando chega o trecho da entrevista do médico, sua voz desaparece e em lugar da versão oficial do hospital entra o locutor, que apaga a informação de que o canditado não sofreu sequer um arranhão e a substitui por uma versão mais grave. A encenação se completa com o candidato sendo entrevistado, sob uma tensa luz azulada, com olhar de vítima.

Simulando uma contusão
O episódio, condenável sob todos os aspectos, deve, no entanto, ser visto como resultado da irracionalidade e radicalização da campanha eleitoral.
Mas as versões apresentadas pela imprensa merecem uma análise à parte.
Uma curiosidade: quem teria descido do Olimpo global para comandar a edição de tão importante reportagem? Que critérios do manual de ética e jornalismo da Rede Globo foram brandidos para justificar a transformação de um episódio banal, mais do que esperado no ambiente de conflagração que os próprios candidatos andaram estimulando, em uma crise republicana?
As evidentes diferenças nas edições do Jornal Nacional, muito mais dramático, e do Jornal da Record, que tratou o episódio com mais naturalidade, sem deixar de condenar os excessos de militantes, têm a ver com jornalismo ou com engajamento eleitoral?
No boletim online do Globo, distribuido às 14h18 da quarta-feira, "Serra é agredido durante enfrentamento de militantes em ato de campanha no Rio".
Na edição de papel, primeira página do Globo, "Serra é agredido por petistas no Rio". No complemento, a informação alarmante: por orientação médica, o candidato cancelou o resto da agenda e submeteu-se a uma tomografia num hospital da Zona Sul.
Título na primeira página do Estadão: "No Rio, petistas agridem Serra em evento".
Na Folha, em foto menos dramática, "Serra toca local em que foi atingido por um rolo de adesivos…"
Quanto pesa um adesivo de campanha enrolado? Cinco, dez gramas?
E a tomografia? É resultado da conhecida hipocondria do ex-governador ou parte da estratégia para transformar um episódio grotesco e banal em atentado político? Como uma bolinha de papel, dessas que os alunos atiram uns nos outros nas salas de aula, poderia virar motivo de comoção nacional?
Em seu artigo na edição desta quinta-feira [21/10] da Folha de S.Paulo, a colunista Eliane Cantanhêde transforma o projétil de papel em "bandeirada" na cabeça e afirma que José Serra, literalmente, apanhou na rua.
Quanto vale um jornalismo dessa qualidade?
A chamada grande imprensa perdeu completamente as estribeiras.

Edição 612 de 19/10/2010
www.observatoriodaimprensa.com.br

 
P.S - Curioso o fato de ninguém ter citado o petista agredido pelos três acompanhantes do candidato José Serra... Coisas dos nossos imparciais jornais e redes televisivas!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Meu tio José Ignácio

Falando do meu primeiro aprendizado da poesia, lembrei-me de meu tio José Ignácio - que na verdade é meu primo. É que famílias numerosas são assim: há sobrinhos que tem a idade dos tios. Naquele tempo em que as mulheres do campo passavam 15 anos consecutivos engravidando e parindo, às vezes mães e filhas (que começavam a produção cedo) tinham filhos na mesma época. Mas se eu for explicar mais sobre meus primos-tios (são tantos!!!) vou acabar não falando do meu tio Zé Ignácio, que é primo de meu pai e meu primo de 2o grau.
A família Ignácio de Souza (família de meu pai, Sebastião) também participou de meus primeiros aprendizados da poesia e uma lembrança forte que tenho é de meu tio Zé Ignácio declamando um poema. Foi a primeira vez que versos me chegavam ao ouvido assim, apenas na sua cadência de palavra, sem instrumentos musicais. Eu devia ter uns 6 anos de idade e me causou impressão sua declamação de um poema que depois vim a saber que se chamava "Meus oito anos", do poeta Casimiro de Abreu. Estávamos numa varanda, olhando o quintal, em que havia muitas árvores - queria dizer que eram laranjeiras, para ficar mais de acordo com o poema, mas a minha memória não tem essa precisão. Ele começou a declamar com sentimento, olhando as árvores, e depois me disse que tinha decorado isso na escola primária, quando era um pouquinho só mais velho do que eu.
Tio Zé Ignácio ainda mora em Cambuquira, no sul de Minas Gerais. Tem uma casa na cidade, mas de vez em quando se isola em um sítio onde cria abelhas, que fazem o melhor mel do mundo! Um sítio onde não há energia elétrica e onde ele gosta de ir pescar sozinho. Talvez para ouvir a voz das abelhas, dos peixes, do próprio rio.
Foi o primeiro filósofo que conheci.

Meu primeiro aprendizado da poesia

Neste fim de semana, fui a Minas Gerais, depois de anos sem pisar neste lugar que de certa forma também é meu berço. Nasci no interior de São Paulo, mas os dois ramos de minha família, materno e paterno, são do sul de Minas. Então me sinto no direito de dizer que também existe um ser mineiro em mim. Toda vez que visito Minas me invade uma sensação de familiaridade. As casas das minhas tias, com seus fogões de lenha e seus quintais cheios de couve, cebolinhas e erva-cidreira. Os tantos morros e montanhas que cortam o céu muito azul, as ruas estreitas de Três Corações. Tudo isso para mim tem um sabor de infância.
Visitei o túmulo de minha avó, Júlia Corrêa, mulher forte, decidida, corajosa. Ela que iniciou uma sucessão de mulheres também fortes e determinadas a buscar seu lugar no mundo, que pode ser (ou não!) ao lado de um homem, mas nunca atrás. Há muitas Júlias na nossa família. Júlia vive em nós. Quando olhei seu túmulo, a placa com seu nome, a imagem de Nossa Senhora Aparecida que ela tanto gostava sobre sua lápide, não pude deixar de agradecer por ter convivido 15 anos da minha vida com a velha Júlia. Sem saber, essa mulher que nunca sentou em bancos escolares me proporcionou meu primeiro aprendizado da poesia.
Ela e a bela Helena, minha mãe - singeleza em forma de gente - com suas histórias e suas costuras. Helena transformava tecido em leveza, nuvem, susurro em forma de saias. Júlia fazia crochê e colchas de retalho, com que nos cobríamos na falta de cobertores. Mas eram coloridas e pesavam sobre o corpo nas noites de inverno. Aqueciam como suas mãos calejadas e quentes, como as histórias da família contadas e recontadas nas refeições, nas tardes em que comíamos o cororó (para quem não sabe, a parte do fubá de milho que fica grudada na panela, quando fazemos angu ou, na versão paulista, polenta) com leite, no quintal.
Essas mulheres me apresentaram aos anjos, demônios e santos da Bíblia. Quando ia a Três Corações, tia Manuela se encarregava de me apresentar aos lobisomens, sacis e assombrações diversas. Uma vez ela ficou morando em nossa casa, para fazer um tratamento de saúde. Foram meses de histórias fabulosas. Eu, Nalva e Sara, minhas irmãs, abancadas ao lado de sua cama, ouvíamos nas tardes compridas histórias que nos faziam ter medo à noite e acordar a outra para não ficar sozinha na casa que dormia silenciosa.
Essas foram as minhas primeiras lições de literatura. Antes das primeiras letras. Das primeiras leituras.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mais um artigo para reflexão

O artigo abaixo (ou seria uma carta aberta para a ex-candidata Marina Silva?) traz uma análise lógica,
coerente do papel do PV nas últimas eleições. Vale a pena ler e refletir...


Marina... você se pintou?
Maurício Abdalla [1]

“Marina, morena Marina, você se pintou” – diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o “grito da Terra e o grito dos pobres”, como diz Leonardo Boff.
Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?
Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as “famiglias” que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.
Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a “vitória da Marina”. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.
“Marina, você faça tudo, mas faça o favor”: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você “tanto faz”. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem “esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele”.
Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. “Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu”.


[1]Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), dentre outros.
 

terça-feira, 14 de setembro de 2010

As famigeradas e falaciosas mensagens encaminhadas

Nenhum período é tão oportuno para perceber as falácias e contradições do discurso humano quanto o período eleitoral. Assistir ao horário político é uma verdadeira lição sobre linguagem - especialmente no que se refere a discursos inconsistentes e argumentação duvidosa. Como ignorar o brilhante uso de rimas? "Vote no Tiririca, que pior não fica"? As coisas podem, sim, piorar muito. Mas esse texto não é mais um no meio de tantos protestos à candidatura deste palhaço (estou usando o termo em seu sentido literal), tão apedrejada, como se não houvesse outros palhaços (agora, no sentido figurado) que falam muito sério, fazem cara de respeito e não merecem nenhum respeito. Principalmente aqueles que já estiveram no poder, não trabalharam pelo bem comum e agora lançam idéias como "No nosso tempo, não havia fila nos hospitais", quando é de conhecimento geral que a saúde pública sempre foi insuficiente e sempre houve filas para consultas, exames, cirurgias, isso quando esses serviços passaram a ser oferecidos para a população em geral.
Mas quando o assunto sai da propaganda oficial e passa à não oficial, creio que as coisas pioram ainda mais.
Nesse sentido, acho notável o uso da internet nesse processo. Sim, estou falando das famigeradas correntes políticas que enviam aos nossos e-mails todos os dias. Mensagens encaminhadas, geralmente, já são, salvo as de utilidade pública, inconvenientes. Geralmente, seu teor é ingênuo, sentimentalista e pouco racional - pois se alguém pensar mais detidamente, vai perceber que passar determinada mensagem para 20 pessoas em 5 minutos (não pode ser 19 pessoas, hein, nem em 5 minutos e 10 segundos, viu?) não é um ato de fé ou solidaridade que faça com que Santa Teresinha abençoe sua vida e te conceda uma graça em 24 horas. As divindades não estariam acima do tempo?
No caso das mensagens encaminhadas de teor político, ocorre coisa semelhante. As pessoas repassam tais mensagens sem a menor preocupação em analisar criticamente seu conteúdo. É exatamente a mesma ação de repassar uma piada, uma corrente para salvar o Rodriguinho, uma mensagem do dia do amigo. Em suma, há aí um problema grave de leitura: decodificam-se as frases (que geralmente apenas reforçam, em sua maioria, preconceitos sociais e o nível de informação precário de nosso povo), mas não se analisa seu conteúdo.
Outra questão interessante nesse tipo de propaganda política não oficial é que ela, geralmente, é desprovida de comprometimento. Encaminhar um e-mail é uma atitude fácil, não produz embate, não exige que aquele que fala se disponha a justificar sua opinião, nem ouvir a do outro. Poucas pessoas respondem a esse tipo de mensagem. E assim, não se discute política - alardeiam-se uma série de ideias que não são contestadas, e por isso mesmo, não amadurecem, pois nunca são postas à prova.
Está cada vez mais difícil discutir política neste país. As falácias se percebem nos mais variados candidados, partidos e pessoas convencidas por eles, que mais parecem uma torcida organizada do que eleitores. Torcida de futebol é assim: movida pela paixão, defende o time em qualquer hipótese. E, infelizmente, vemos eleitores movidos pela emoção e não pela razão. Ao falarem sobre política, reproduzem apenas uma série de chavões que assimilam dos noticiários, especialmente se eles corroborarem uma visão de mundo arraigada na sociedade.
Mas também há o extremo oposto: a indiferença das pessoas pela política. Caminhando pela cidade nestes dias, pude ver as pessoas que carregavam placas de partidos. É também lamentável perceber que as pessoas não empunham bandeiras que acreditam. Aliás, parece-me que o caso não é elas empunharem bandeiras contrárias às suas crenças, mas não haver bandeira alguma em que acreditar. Essa é outra postura preocupante, num país cujas pessoas vão às urnas pela obrigação e dizem, sem medir as consequências do que significaria a realização deste desejo, que prefeririam não votar.
Posturas extremas que revelam que a relação do nosso povo com a política precisa ser repensada e reconstruída.

domingo, 29 de agosto de 2010

Prosopopéia e telefonia

Nas últimas semanas, entrei na fila dos muitos brasileiros insatisfeitos com os serviços (in)prestados pelas companhias de telefonia celular. Para atender aos curiosos: fiz portabilidade do meu número para a TIM, seduzida pelas muitas propagandas televisivas de tarifas baratas e descontos fabulosos. Porém, a grande promoção a mim oferecida se transformou num pesadelo quando todo mês eu recebia a conta, na qual o valor promocional era sempre esquecido, o que resultava em, no mínimo R$ 100 a mais do que eu deveria pagar. As coisas pioraram ainda mais quando meu celular foi bloqueado por não pagamento de uma conta que havia sido paga um dia antes da data do vencimento. Mas o mais interessante de tudo é que, no meio da sensação de raiva e stress por gastar horas e horas esperando atendimento para resolução dos problemas, ainda pude fazer uma reflexão linguística sobre o caso.
Costumo dizer que linguagem é tudo. Ela reflete crenças, visões de mundo, sentimentos que as pessoas nem suspeitam que expressam em meia dúzia de palavras. O que me chamou a atenção dessa vez foi uma frase que muitos de nós já ouvimos muitas vezes "Desculpe, mas houve falha NO SISTEMA" ou "Não posso, porque O SISTEMA não aceita". Ao ouvir tantas vezes essa frase, não paramos para refletir sobre o que ela revela: a personificação do tal sistema.
Alguns leitores podem estar pensando que realmente eu fiquei dias e dias esperando ser atendida nas famigeradas linhas de call center, para pensar tanto... Mas eu me interessei por isso não apenas pela questão linguística, pela prosopopéia (essa figura de linguagem que dá vida aos seres inanimados), mas pela postura social que ela deixa entrever: o responsável pelo erro, pelo descaso com o consumidor, pelo engodo não são pessoas, não é a empresa (feita de pessoas) - é o SISTEMA, esse ser incorpóreo que controla nossas vidas em tempos cibernéticos. Em suma, isso é perfeito para que as pessoas fujam de suas verdadeiras responsabilidades. É uma maneira fácil e sórdida de muitas empresas e instituições (não apenas as de telefonia) esconderem suas opções por infringirem direitos de consumidores.
Há outros casos interessantes de personificação nos dias atuais. Outros que considero relevantes são O MERCADO e A POLÍTICA - também referidos como se fossem seres autônomos, e não instituições feitas por seres humanos, com seu poder de escolha e atitude. Se no passado entidades míticas (deuses e demônios) justificavam as ações individuais, podemos dizer que, atualmente, continuamos a não buscar uma justificativa para nossos atos em nós mesmos. Até quando a humanidade usará esse subterfúgio para justificar sua própria (in)ação?

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Declaração de amor

Chegou o momento de eu declarar sem delongas: amo (sim, a palavra é esta mesmo!!!) minha língua. Aliás, que audácia declará-la minha! É assim quando amamos algo: queremos possuí-lo e, linguisticamente, expressamos isso dizendo: "meu amigo", "meu namorado". Então digo também "minha língua", embora ela seja de tantos milhões de habitantes nesse planeta.
Faço essa declaração de amor corajosa. Se me perguntam por que corajosa, explico: tanta gente fala mal de nosso idioma! Dizem que ele é difícil, complicado; outros, falantes nativos dele, têm coragem de declarar outras línguas como mais belas. Coisas assim, que desabonam o idioma nacional.
Não, não vou começar aqui a discorrer sobre aqueles que "assassinam o idioma pátrio" - odeio essas coisas! Na verdade, o que enxergo mesmo são pessoas que, ao invés de assassiná-lo, reavivam o idioma, a cada dia, com suas novas gírias, expressões populares, tantas delas sonoras e interessantes. As gramáticas normativas são senhoras sisudas, que não compreendem a juventude! E aqueles que têm seus ouvidos doloridos por qualquer errinho de concordância, não se deram conta ainda que é um fenômeno comum entre várias línguas do mundo marcar o plural numa palavra inicial da frase, pois o cérebro humano é capaz de perceber que a idéia de plural se estende às demais. É assim no francês, por exemplo, cujo plural, na oralidade, não é pronunciado (embora marcado na escrita) em todas as palavras. Mas os franceses são très chic, enquanto nós, falantes do português que fazemos isso, somos ignorantes, analfabetos e por aí vai...
Mas minha declaração de amor à língua materna vai além dessas pendengas gramatiqueiras! Eu gosto muito da expressão "língua materna", pois ela traduz a sensação de pertencimento que sinto com o idioma. Quando passei dois meses fora do Brasil, ouvindo na televisão e nas ruas outro idioma que não era esse que assimilei de minha mãe, de minha família, percebi o quanto isso me fazia falta. E me lembro de uma amiga que, tendo passado um ano na Alemanha, disse para mim que se comoveu ao chegar aqui e ouvir as pessoas falando o português na rua, com sua musicalidade singular.
Efeito puro e simples da saudade? Talvez um pouco... Mas eu realmente creio que a língua portuguesa é a mais bela, a única na qual consigo me expressar inteiramente. A única na qual consigo fazer versos. Posso vir a escrever artigos, reportagens, tratados científicos em línguas estrangeiras - mas a poesia, o êxtase da linguagem, só acontece na minha língua materna, que povoa os meus sonhos.
Como disse o Fernando Pessoa: "Minha pátria é a língua portuguesa". E olha que o Pessoa fazia poesias em outras línguas também. Mas talvez só transcendesse na nossa língua. Que bom dizer isso: nossa língua. Alguma coisa eu partilho com esse poeta que tanto admiro...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

E onde está mesmo a literatura?


Gosto de ver telejornais enquanto almoço. Coisa de gente que não tem com quem almoçar, e parece que o momento da refeição pede vozes. Então, sem opção, ligo a televisão (ops, rimou!).
Na semana passada, vi uma reportagem sobre a Bienal do Livro - gosto de analisar reportagens sobre leitura e eventos relacionados a ela, pois sempre é possível perceber alguns conceitos e crenças gerais sobre a leitura, que precisamos discutir e, muitas vezes, transformar... Enfim (antes que o leitor perca a paciência), a reportagem falava de como a Bienal tem atraído crianças e jovens com o uso de novas tecnologias.
O curioso não foi ver uma série de crianças e adolescentes num dos standes da Bienal, absolutamente encantadas com o livro eletrônico. Quando entrevistada, uma delas disse: "É muito legal, a gente aperta um botão e aparece (sic) os desenhos do livro". O curioso mesmo foi ver a repórter comentar: "E cada vez mais crianças e adolescentes se mostram atraídas pelo universo da leitura", depois de comentar a transformação de livros juvenis em jogos, e mostrar um stande que mais parecia um fliperama.
Curioso porque eu não vi, na reportagem, nenhuma criança ou adolescente LENDO. Será que a repórter não percebeu que as crianças que ela filmou e entrevistou estavam atraídas pela tecnologia e não pela leitura?
Longe de mim criticar o uso das tecnologias visuais para atrair jovens leitores ao universo da literatura, o que é muito válido. Inclusive, creio que o uso de recursos visuais deve ter uma função artística conjunta com o texto (não deve ser mera reprodução do texto literário, mas pode ser uma forma de arte autônoma, que co-existe com o texto verbal e enriquece diferentes leituras). Mas, vendo esta reportagem, não pude calar as perguntas: onde está mesmo o atrativo da leitura? O valor da literatura em si, independente de seu suporte de veiculação? Enfim, estes leitores ultrapassarão o interesse pelo suporte e chegarão tão somente ao interesse pela literatura?
Perguntas que não querem calar...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Eu, blogueira!!!!

Aqui estou eu na minha primeira postagem. E, claro, ela tinha que ser sobre o próprio blog. Escritores, ou melhor, artistas em geral, adoram escrever/falar sobre seu processo criativo e sobre como tudo o que criam passam da sua mente (geralmente confusa!!!) para o palco-papel-tela ou qualquer outro suporte que veicule suas idéias. Eu não serei diferente!
Sou de uma geração que cresceu sem computadores (olha eu denunciando a idade!!!), então sempre sonhei com meus textos em letra impressa. E sempre olhei com certa desconfiança esta história de blog. Parecia um jeito fácil demais de publicar textos - afinal, não é necessário submetê-los a qualquer tipo de opinião, a qualquer crivo editorial. E isso me parecia um risco, o de publicar coisas que não estão "prontas", que ainda mereceriam mais gaveta - eu costumo dizer que os meus textos decantam nas gavetas, como vinhos nas vinícolas.
Mas eu me rendi ao blog. Primeiro, a desconfiança foi diminuindo à medida que eu comecei a acessar blogs interessantes, com bons textos e muito comprometidos com a qualidade. Segundo que eu entedi que o blog pode divulgar textos em trânsito - que ainda não chegaram ao seu destino final. Que, tal qual os seres humanos, os textos não precisam estar "prontos" para circular. E que isso pode inclusive influenciar seu processo de transformação, de maturação.
Então, virei blogueira. Eu, justo eu, que tinha tantas ressalvas em relação à publicação de textos na internet. É que, como diz o mestre Rosa, "...o mais importante e bonito, do mundo, é que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. (...) Isso que me alegra, montão".