domingo, 29 de agosto de 2010

Prosopopéia e telefonia

Nas últimas semanas, entrei na fila dos muitos brasileiros insatisfeitos com os serviços (in)prestados pelas companhias de telefonia celular. Para atender aos curiosos: fiz portabilidade do meu número para a TIM, seduzida pelas muitas propagandas televisivas de tarifas baratas e descontos fabulosos. Porém, a grande promoção a mim oferecida se transformou num pesadelo quando todo mês eu recebia a conta, na qual o valor promocional era sempre esquecido, o que resultava em, no mínimo R$ 100 a mais do que eu deveria pagar. As coisas pioraram ainda mais quando meu celular foi bloqueado por não pagamento de uma conta que havia sido paga um dia antes da data do vencimento. Mas o mais interessante de tudo é que, no meio da sensação de raiva e stress por gastar horas e horas esperando atendimento para resolução dos problemas, ainda pude fazer uma reflexão linguística sobre o caso.
Costumo dizer que linguagem é tudo. Ela reflete crenças, visões de mundo, sentimentos que as pessoas nem suspeitam que expressam em meia dúzia de palavras. O que me chamou a atenção dessa vez foi uma frase que muitos de nós já ouvimos muitas vezes "Desculpe, mas houve falha NO SISTEMA" ou "Não posso, porque O SISTEMA não aceita". Ao ouvir tantas vezes essa frase, não paramos para refletir sobre o que ela revela: a personificação do tal sistema.
Alguns leitores podem estar pensando que realmente eu fiquei dias e dias esperando ser atendida nas famigeradas linhas de call center, para pensar tanto... Mas eu me interessei por isso não apenas pela questão linguística, pela prosopopéia (essa figura de linguagem que dá vida aos seres inanimados), mas pela postura social que ela deixa entrever: o responsável pelo erro, pelo descaso com o consumidor, pelo engodo não são pessoas, não é a empresa (feita de pessoas) - é o SISTEMA, esse ser incorpóreo que controla nossas vidas em tempos cibernéticos. Em suma, isso é perfeito para que as pessoas fujam de suas verdadeiras responsabilidades. É uma maneira fácil e sórdida de muitas empresas e instituições (não apenas as de telefonia) esconderem suas opções por infringirem direitos de consumidores.
Há outros casos interessantes de personificação nos dias atuais. Outros que considero relevantes são O MERCADO e A POLÍTICA - também referidos como se fossem seres autônomos, e não instituições feitas por seres humanos, com seu poder de escolha e atitude. Se no passado entidades míticas (deuses e demônios) justificavam as ações individuais, podemos dizer que, atualmente, continuamos a não buscar uma justificativa para nossos atos em nós mesmos. Até quando a humanidade usará esse subterfúgio para justificar sua própria (in)ação?

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Declaração de amor

Chegou o momento de eu declarar sem delongas: amo (sim, a palavra é esta mesmo!!!) minha língua. Aliás, que audácia declará-la minha! É assim quando amamos algo: queremos possuí-lo e, linguisticamente, expressamos isso dizendo: "meu amigo", "meu namorado". Então digo também "minha língua", embora ela seja de tantos milhões de habitantes nesse planeta.
Faço essa declaração de amor corajosa. Se me perguntam por que corajosa, explico: tanta gente fala mal de nosso idioma! Dizem que ele é difícil, complicado; outros, falantes nativos dele, têm coragem de declarar outras línguas como mais belas. Coisas assim, que desabonam o idioma nacional.
Não, não vou começar aqui a discorrer sobre aqueles que "assassinam o idioma pátrio" - odeio essas coisas! Na verdade, o que enxergo mesmo são pessoas que, ao invés de assassiná-lo, reavivam o idioma, a cada dia, com suas novas gírias, expressões populares, tantas delas sonoras e interessantes. As gramáticas normativas são senhoras sisudas, que não compreendem a juventude! E aqueles que têm seus ouvidos doloridos por qualquer errinho de concordância, não se deram conta ainda que é um fenômeno comum entre várias línguas do mundo marcar o plural numa palavra inicial da frase, pois o cérebro humano é capaz de perceber que a idéia de plural se estende às demais. É assim no francês, por exemplo, cujo plural, na oralidade, não é pronunciado (embora marcado na escrita) em todas as palavras. Mas os franceses são très chic, enquanto nós, falantes do português que fazemos isso, somos ignorantes, analfabetos e por aí vai...
Mas minha declaração de amor à língua materna vai além dessas pendengas gramatiqueiras! Eu gosto muito da expressão "língua materna", pois ela traduz a sensação de pertencimento que sinto com o idioma. Quando passei dois meses fora do Brasil, ouvindo na televisão e nas ruas outro idioma que não era esse que assimilei de minha mãe, de minha família, percebi o quanto isso me fazia falta. E me lembro de uma amiga que, tendo passado um ano na Alemanha, disse para mim que se comoveu ao chegar aqui e ouvir as pessoas falando o português na rua, com sua musicalidade singular.
Efeito puro e simples da saudade? Talvez um pouco... Mas eu realmente creio que a língua portuguesa é a mais bela, a única na qual consigo me expressar inteiramente. A única na qual consigo fazer versos. Posso vir a escrever artigos, reportagens, tratados científicos em línguas estrangeiras - mas a poesia, o êxtase da linguagem, só acontece na minha língua materna, que povoa os meus sonhos.
Como disse o Fernando Pessoa: "Minha pátria é a língua portuguesa". E olha que o Pessoa fazia poesias em outras línguas também. Mas talvez só transcendesse na nossa língua. Que bom dizer isso: nossa língua. Alguma coisa eu partilho com esse poeta que tanto admiro...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

E onde está mesmo a literatura?


Gosto de ver telejornais enquanto almoço. Coisa de gente que não tem com quem almoçar, e parece que o momento da refeição pede vozes. Então, sem opção, ligo a televisão (ops, rimou!).
Na semana passada, vi uma reportagem sobre a Bienal do Livro - gosto de analisar reportagens sobre leitura e eventos relacionados a ela, pois sempre é possível perceber alguns conceitos e crenças gerais sobre a leitura, que precisamos discutir e, muitas vezes, transformar... Enfim (antes que o leitor perca a paciência), a reportagem falava de como a Bienal tem atraído crianças e jovens com o uso de novas tecnologias.
O curioso não foi ver uma série de crianças e adolescentes num dos standes da Bienal, absolutamente encantadas com o livro eletrônico. Quando entrevistada, uma delas disse: "É muito legal, a gente aperta um botão e aparece (sic) os desenhos do livro". O curioso mesmo foi ver a repórter comentar: "E cada vez mais crianças e adolescentes se mostram atraídas pelo universo da leitura", depois de comentar a transformação de livros juvenis em jogos, e mostrar um stande que mais parecia um fliperama.
Curioso porque eu não vi, na reportagem, nenhuma criança ou adolescente LENDO. Será que a repórter não percebeu que as crianças que ela filmou e entrevistou estavam atraídas pela tecnologia e não pela leitura?
Longe de mim criticar o uso das tecnologias visuais para atrair jovens leitores ao universo da literatura, o que é muito válido. Inclusive, creio que o uso de recursos visuais deve ter uma função artística conjunta com o texto (não deve ser mera reprodução do texto literário, mas pode ser uma forma de arte autônoma, que co-existe com o texto verbal e enriquece diferentes leituras). Mas, vendo esta reportagem, não pude calar as perguntas: onde está mesmo o atrativo da leitura? O valor da literatura em si, independente de seu suporte de veiculação? Enfim, estes leitores ultrapassarão o interesse pelo suporte e chegarão tão somente ao interesse pela literatura?
Perguntas que não querem calar...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Eu, blogueira!!!!

Aqui estou eu na minha primeira postagem. E, claro, ela tinha que ser sobre o próprio blog. Escritores, ou melhor, artistas em geral, adoram escrever/falar sobre seu processo criativo e sobre como tudo o que criam passam da sua mente (geralmente confusa!!!) para o palco-papel-tela ou qualquer outro suporte que veicule suas idéias. Eu não serei diferente!
Sou de uma geração que cresceu sem computadores (olha eu denunciando a idade!!!), então sempre sonhei com meus textos em letra impressa. E sempre olhei com certa desconfiança esta história de blog. Parecia um jeito fácil demais de publicar textos - afinal, não é necessário submetê-los a qualquer tipo de opinião, a qualquer crivo editorial. E isso me parecia um risco, o de publicar coisas que não estão "prontas", que ainda mereceriam mais gaveta - eu costumo dizer que os meus textos decantam nas gavetas, como vinhos nas vinícolas.
Mas eu me rendi ao blog. Primeiro, a desconfiança foi diminuindo à medida que eu comecei a acessar blogs interessantes, com bons textos e muito comprometidos com a qualidade. Segundo que eu entedi que o blog pode divulgar textos em trânsito - que ainda não chegaram ao seu destino final. Que, tal qual os seres humanos, os textos não precisam estar "prontos" para circular. E que isso pode inclusive influenciar seu processo de transformação, de maturação.
Então, virei blogueira. Eu, justo eu, que tinha tantas ressalvas em relação à publicação de textos na internet. É que, como diz o mestre Rosa, "...o mais importante e bonito, do mundo, é que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. (...) Isso que me alegra, montão".