sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Uma interessante análise da imprensa nacional

Eu queria ter escrito o artigo abaixo (momento inveja!!!). Ele analisa a linguagem de algumas manchetes dos jornais impressos e reportagens televisivas nas últimas quarta e quinta-feira. Leiam, reflitam, deliciem-se, divulguem. E entrem na página do Observatório da Imprensa - os textos são muito bons e nos ajudam a analisar de forma mais crítica o nosso "jornalismo".
 
O atentado de Campo Grande
Luciano Martins Costa 

Foi mais ou menos como num jogo de futebol: o zagueiro encosta no atacante, o atacante se atira dentro da área, rolando, se contorcendo, na esperança de que o árbitro apite um pênalti. Mas as câmaras são soberanas. Elas mostram que o zagueiro mal tocou no centroavante, que o atacante se atirou, que não está machucado, que está simulando. Ainda assim, alguns narradores gritam: "Pênalti!". E no dia seguinte, os analistas vão bater boca o dia inteiro: foi, não foi, o juiz acertou, o juiz roubou.
Na cena reproduzida pelo Jornal da Record, o candidato José Serra vem caminhando, sorridente, pela rua do comércio de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Vem cercado de correligionários e seguranças. Mais adiante, seu caminho está bloqueado por uma passeata de petistas, que podem ser identificados por suas bandeiras vermelhas.
A comitiva do candidato oposicionista segue na direção dos adversários, arma-se um rápido entrevero, no qual um petista é agredido por três acompanhantes do candidato Serra, que está abrigado à porta de uma loja.
Apartam-se as brigas, Serra retoma a caminhada.
Então, alguma coisa o atinge na cabeça.
Pela câmara da TV Record, observa-se que o candidato apenas passa a mão na cabeça, constatando que não está ferido. É levado, então, por seus acompanhantes para um hospital.
Corta para o médico que o atendeu. A frase é clara: ele não tem nem um arranhão. A reportagem esclarece: o candidato foi atingido por um rolinho de plástico, um desses adesivos de campanha amarrotado.
Agora, a mesma cena no Jornal Nacional, da TV Globo: tudo quase igual, exceto no momento em que José Serra é atingido. Substitui-se, então, a imagem em movimento, que mostra apenas um susto da vítima, por uma fotografia, tirada de cima para baixo, de efeito muito mais dramático.
Quando chega o trecho da entrevista do médico, sua voz desaparece e em lugar da versão oficial do hospital entra o locutor, que apaga a informação de que o canditado não sofreu sequer um arranhão e a substitui por uma versão mais grave. A encenação se completa com o candidato sendo entrevistado, sob uma tensa luz azulada, com olhar de vítima.

Simulando uma contusão
O episódio, condenável sob todos os aspectos, deve, no entanto, ser visto como resultado da irracionalidade e radicalização da campanha eleitoral.
Mas as versões apresentadas pela imprensa merecem uma análise à parte.
Uma curiosidade: quem teria descido do Olimpo global para comandar a edição de tão importante reportagem? Que critérios do manual de ética e jornalismo da Rede Globo foram brandidos para justificar a transformação de um episódio banal, mais do que esperado no ambiente de conflagração que os próprios candidatos andaram estimulando, em uma crise republicana?
As evidentes diferenças nas edições do Jornal Nacional, muito mais dramático, e do Jornal da Record, que tratou o episódio com mais naturalidade, sem deixar de condenar os excessos de militantes, têm a ver com jornalismo ou com engajamento eleitoral?
No boletim online do Globo, distribuido às 14h18 da quarta-feira, "Serra é agredido durante enfrentamento de militantes em ato de campanha no Rio".
Na edição de papel, primeira página do Globo, "Serra é agredido por petistas no Rio". No complemento, a informação alarmante: por orientação médica, o candidato cancelou o resto da agenda e submeteu-se a uma tomografia num hospital da Zona Sul.
Título na primeira página do Estadão: "No Rio, petistas agridem Serra em evento".
Na Folha, em foto menos dramática, "Serra toca local em que foi atingido por um rolo de adesivos…"
Quanto pesa um adesivo de campanha enrolado? Cinco, dez gramas?
E a tomografia? É resultado da conhecida hipocondria do ex-governador ou parte da estratégia para transformar um episódio grotesco e banal em atentado político? Como uma bolinha de papel, dessas que os alunos atiram uns nos outros nas salas de aula, poderia virar motivo de comoção nacional?
Em seu artigo na edição desta quinta-feira [21/10] da Folha de S.Paulo, a colunista Eliane Cantanhêde transforma o projétil de papel em "bandeirada" na cabeça e afirma que José Serra, literalmente, apanhou na rua.
Quanto vale um jornalismo dessa qualidade?
A chamada grande imprensa perdeu completamente as estribeiras.

Edição 612 de 19/10/2010
www.observatoriodaimprensa.com.br

 
P.S - Curioso o fato de ninguém ter citado o petista agredido pelos três acompanhantes do candidato José Serra... Coisas dos nossos imparciais jornais e redes televisivas!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Meu tio José Ignácio

Falando do meu primeiro aprendizado da poesia, lembrei-me de meu tio José Ignácio - que na verdade é meu primo. É que famílias numerosas são assim: há sobrinhos que tem a idade dos tios. Naquele tempo em que as mulheres do campo passavam 15 anos consecutivos engravidando e parindo, às vezes mães e filhas (que começavam a produção cedo) tinham filhos na mesma época. Mas se eu for explicar mais sobre meus primos-tios (são tantos!!!) vou acabar não falando do meu tio Zé Ignácio, que é primo de meu pai e meu primo de 2o grau.
A família Ignácio de Souza (família de meu pai, Sebastião) também participou de meus primeiros aprendizados da poesia e uma lembrança forte que tenho é de meu tio Zé Ignácio declamando um poema. Foi a primeira vez que versos me chegavam ao ouvido assim, apenas na sua cadência de palavra, sem instrumentos musicais. Eu devia ter uns 6 anos de idade e me causou impressão sua declamação de um poema que depois vim a saber que se chamava "Meus oito anos", do poeta Casimiro de Abreu. Estávamos numa varanda, olhando o quintal, em que havia muitas árvores - queria dizer que eram laranjeiras, para ficar mais de acordo com o poema, mas a minha memória não tem essa precisão. Ele começou a declamar com sentimento, olhando as árvores, e depois me disse que tinha decorado isso na escola primária, quando era um pouquinho só mais velho do que eu.
Tio Zé Ignácio ainda mora em Cambuquira, no sul de Minas Gerais. Tem uma casa na cidade, mas de vez em quando se isola em um sítio onde cria abelhas, que fazem o melhor mel do mundo! Um sítio onde não há energia elétrica e onde ele gosta de ir pescar sozinho. Talvez para ouvir a voz das abelhas, dos peixes, do próprio rio.
Foi o primeiro filósofo que conheci.

Meu primeiro aprendizado da poesia

Neste fim de semana, fui a Minas Gerais, depois de anos sem pisar neste lugar que de certa forma também é meu berço. Nasci no interior de São Paulo, mas os dois ramos de minha família, materno e paterno, são do sul de Minas. Então me sinto no direito de dizer que também existe um ser mineiro em mim. Toda vez que visito Minas me invade uma sensação de familiaridade. As casas das minhas tias, com seus fogões de lenha e seus quintais cheios de couve, cebolinhas e erva-cidreira. Os tantos morros e montanhas que cortam o céu muito azul, as ruas estreitas de Três Corações. Tudo isso para mim tem um sabor de infância.
Visitei o túmulo de minha avó, Júlia Corrêa, mulher forte, decidida, corajosa. Ela que iniciou uma sucessão de mulheres também fortes e determinadas a buscar seu lugar no mundo, que pode ser (ou não!) ao lado de um homem, mas nunca atrás. Há muitas Júlias na nossa família. Júlia vive em nós. Quando olhei seu túmulo, a placa com seu nome, a imagem de Nossa Senhora Aparecida que ela tanto gostava sobre sua lápide, não pude deixar de agradecer por ter convivido 15 anos da minha vida com a velha Júlia. Sem saber, essa mulher que nunca sentou em bancos escolares me proporcionou meu primeiro aprendizado da poesia.
Ela e a bela Helena, minha mãe - singeleza em forma de gente - com suas histórias e suas costuras. Helena transformava tecido em leveza, nuvem, susurro em forma de saias. Júlia fazia crochê e colchas de retalho, com que nos cobríamos na falta de cobertores. Mas eram coloridas e pesavam sobre o corpo nas noites de inverno. Aqueciam como suas mãos calejadas e quentes, como as histórias da família contadas e recontadas nas refeições, nas tardes em que comíamos o cororó (para quem não sabe, a parte do fubá de milho que fica grudada na panela, quando fazemos angu ou, na versão paulista, polenta) com leite, no quintal.
Essas mulheres me apresentaram aos anjos, demônios e santos da Bíblia. Quando ia a Três Corações, tia Manuela se encarregava de me apresentar aos lobisomens, sacis e assombrações diversas. Uma vez ela ficou morando em nossa casa, para fazer um tratamento de saúde. Foram meses de histórias fabulosas. Eu, Nalva e Sara, minhas irmãs, abancadas ao lado de sua cama, ouvíamos nas tardes compridas histórias que nos faziam ter medo à noite e acordar a outra para não ficar sozinha na casa que dormia silenciosa.
Essas foram as minhas primeiras lições de literatura. Antes das primeiras letras. Das primeiras leituras.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mais um artigo para reflexão

O artigo abaixo (ou seria uma carta aberta para a ex-candidata Marina Silva?) traz uma análise lógica,
coerente do papel do PV nas últimas eleições. Vale a pena ler e refletir...


Marina... você se pintou?
Maurício Abdalla [1]

“Marina, morena Marina, você se pintou” – diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o “grito da Terra e o grito dos pobres”, como diz Leonardo Boff.
Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?
Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as “famiglias” que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.
Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a “vitória da Marina”. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.
“Marina, você faça tudo, mas faça o favor”: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você “tanto faz”. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem “esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele”.
Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. “Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu”.


[1]Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), dentre outros.