sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O político e a política

Neste segundo semestre de 2011, os dois feriados cívicos - 7 de setembro e 15 de novembro - foram marcados por manifestações contra a corrupção. As datas, que comemoram a Independência do Brasil e a Proclamação da República, incitaram aqueles que se revoltam com a violação da res publica, prática enraizada profundamente na política brasileira. Nada de novo sob o sol!
Porém, algo aparentemente novo foi reforçado pelos telejornais: as manifestações foram divulgadas em redes sociais, e não se relacionavam diretamente à política. O fato, mencionado por todas as reportagens que assisti, me trouxe alguns questionamentos: seria uma tentativa da sociedade civil de se articular e reivindicar maior ética na política? Uma forma de dizer que, independente de posturas político-ideológicas, precisamos exigir transparência e compromisso como o bem público? Ou seria mais um ato público cujas repercussões na vida prática seriam muito pequenas ou nulas?
Eu queria ser uma pessoa otimista e dizer que acredito nas duas primeiras hipóteses, mas minha observação da realidade me faz acreditar na terceira. Sempre que vejo estas manifestações, com pessoas usando narizes de palhaços e empunhando faixas contra os políticos corruptos, penso na estranha relação que o povo brasileiro, em geral, têm com a política. Sim, neste caso, a diferença de gênero, em nosso país, é bem pouco refletida, e isso vai muito além da gramática. A maioria das pessoas não vê a política como um conjunto - de ideias, regras e ações - que rege as relações de poder, o controle social, os bens materiais e imateriais de uma coletividade. Geralmente, elas confundem a política com o político - pessoa que ocupa um cargo público, para criar projetos e leis, ou para executá-los - ou suas instituições oficiais - a prefeitura, a câmara municipal, o congresso nacional etc.
Ao dizer que essas manifestações não tem relação com a política, alguns jornais poderiam dizer que elas talvez não tenha relação com os políticos, com partidos, siglas, ideologias específicos. Seria mais apropriado, mas ainda assim, questionável. Pois por traz da postura "apolítica" de algumas pessoas, vislumbramos uma tácita concordância com o status quo. E ainda que se releve discordância, no caso desses cidadãos que se revoltam contra a corrupção, é interessante observar a análise (ou falta dela) que fazem deste fenômeno social.
Que me perdoem os cientistas políticos ou sociólogos se uso de forma equivocada o termo "fenômeno social", sejam pacientes, pois não tenho qualquer formação acadêmica nesta área. Eu uso esse termo porque acho que a corrupção, em nosso país, excede a moral individual e toca à (i)moralidade coletiva. É fato que o Brasil possui uma aceitação social da corrupção, haja vista o número de pessoas que acham "normal" quando alguém "leva um por fora" em determinadas transações. E não falo de coisas do alto escalão, de quantias fabulosas. Falo de coisas muito cotidianas: aquele síndico que aceita um "presente" do empreiteiro que acaba escolhendo para fazer a reforma do telhado do condomínio, por exemplo. E se pararmos para pensar, vamos perceber uma série de atitudes de pessoas de bem, respeitáveis, que se aproveitam do trabalho (e do dinheiro) alheio: não pagando empregados ou prestadores de serviço (falta dinheiro para isso, mas não para trocar de carro, viajar pra Maceió etc), fazendo aquele gato da TV a cabo (hoje modernamente disfarçado num aparelho que "pega todos os canais de graça"), comprando DVDs e CDs piratas de camelôs. Não, mas isso não é corrupção! Corrupção é só no Congresso, lá em Brasília.
Ressalvo que não estou dizendo que pessoas que têm tais atitudes são absolutamente indignas, pois o ser humano é um poço de contradições! Nem estou afirmando que todas as pessoas que participam destas manifestações são assim. Há pessoas íntegras e bem intencionadas que protestam, mas estas vão além do cartaz, do grito, da foto no facebook. Por que, no fundo, tais passeatas não deixam de ter seu apelo midiático, seu cunho apoteótico, cujo barulho repercute mas é improdutivo. Foi assim com tantos movimentos políticos, no Brasil contemporâneo. Muito barulho, pouca ação prática e cotidiana mais duradoura. Quem não se lembra dos caras-pintadas do início dos anos 90? Passado o impeachment do presidente Collor (que não ocorreu pela ação deles, absolutamente), qual foram as ações efetivas do movimento estudantil no restante de uma década de tantas transformações econômicas e sociais que repercutiram na Educação, entre outras coisas? Eu não vi este movimento se levantar na criação da LDB da Educação de 1996, que não apenas tirava do ensino técnico o grau de ensino médio (2o grau, na época), como proporcionou, de certa forma, o desenvolvimento astronômico do ensino superior particular no Brasil, paralelamente ao descaso com o ensino superior federal observado em todo governo FHC.
As manifestações públicas são um direito dos cidadãos, fundamental na prática democrática. Entretanto, é preciso refletir sobre a corrupção e a política de forma mais aprofundada, e agir nas pequenas e grandes atitudes do dia a dia. Os políticos não vieram de Marte - são reflexos da nossa sociedade. E se são corruptos, antes de atirarmos pedras neles, é melhor que nos olhemos no espelho sem embustes e analisemos seriamente se a palavra ética é para nós mais um vocábulo bonito para se usar nos discursos, mas pouco significativo em nossa vida diária.