sábado, 7 de setembro de 2013

De como nasci

Havia sol no dia em que nasci. Lembro-me bem: o lápis pequenino de tão usado e repetidamente apontado; em uma das extremidades, as marcas dos dentes na espera ansiosa das palavras. Havia vento também: um vento de tarde de outono, morno mas com o frescor de maio. A varanda vazia e o papel apoiado no piso, à espera do parto. Então, nasci: veio o primeiro verso, não sem alguma dor, que sem ela nunca se faz poema, não sem alguma alegria, não sem algum tremor de expectativa - tudo isso misturado naquele inebriamento que envolve os nascimentos de homens, de bichos, de canções, enfim, de tudo que pulsa.
Escrevi um poema de 12 versos - no despropósito, um para cada ano que até então eu tinha vivido. Mais 2 e eu teria estreado com um soneto, o que talvez marcasse uma trajetória regrada e clássica, mas algo me desviou desde o início para a desmedida. Para as palavras e emoções sem peias, sem mapas nem roteiros. Depois copiei o poema, com cuidado e caneta preta, em um caderno de capa amarela.
Fiquei contemplando as três quadras sobre o fim da página, carente de uma assinatura. Ali eu devia pôr meu nome, não como proprietária, mas como pertencimento. Mas eu não queria assinar o meu nome, aquele que eu usava desde sempre.
É que eu sabia-me nascendo. Intuitivamente, eu sabia que uma outra existência começara depois daqueles 12 anos e 12 versos. Eu tinha o corpo franzino, o coração confuso e uma mente que tentava colocar alguma ordem entre eles e o mundo lá fora, então eu não podia pensar isso conscientemente; mas eu sentia que, assim como os jovens índios que se tornavam guerreiros, eu precisava de um novo nome. Um nome que marcasse minha nova condição.
Então fiz minha certidão de nascimento: assinei nesta página um novo nome, um nome que eu me dei, e não o nome que tinham me dado. Eu não tinha a pele pintada, mas sabia que isso me paramentava para as batalhas que eu começaria a partir de então. Ninguém sabia, mas o pseudônimo não era meu nome falso - era, de fato, o mais verdadeiro.