segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Lia e os Pavanáticos

Não, caro e raro leitor: não resolvi abandonar as letras pela mais promissora carreira na música pop. Este título não é o nome de uma banda moderninha, e sim uma referência ao meu recente encontro com os alunos da EMEF Maria Pavanatti Fávaro.
A convite da professora e escritora Cida Sepúlveda, fui à Pavanatti (como a escola é carinhosamente referida por seus alunos, funcionários e professores) para um bate-papo (não ouso dar o título de palestra!) com os alunos, que haviam previamente lido meu primeiro livro, Embaixo da Cama. Foi Cida que criou o termo "Pavanáticos", que também dá nome ao jornal da escola, mantido por ela e pelos alunos.
A Pavanatti é uma escola simples, como tantas outras escolas públicas da periferia de Campinas, mas tem um diferencial: uma diretora, Sandra, e uma professora, Cida, que amam a literatura e estão tentando despertar entre os alunos um interesse maior pelos livros. Assim como eu, outros escritores e artistas já foram convidados para ir à escola e partilhar com os alunos suas experiências com a arte. É assim que eu defino a tarde que passei com os pavanáticos: um momento de troca de experiências.
Sempre que vou a uma escola de ensino fundamental falar sobre literatura e sobre os livros que escrevi (o que sempre envolve falar sobre a vida que pulsa nas palavras), eu me pergunto sobre como dizer, ou seja, que palavras usar, que narrativa construir para fazer essa nova geração compreender o que o livro significou na minha vida. Afinal, passei a infância em uma casa sem livros - objetos de desejo, quase um luxo para uma família iletrada, cujos ancestrais não tinham calos nos dedos por escrever, mas calos nas mãos por pegar cedo nas enxadas, nas vassouras, nas agulhas de costura. Sempre me pergunto se vou me fazer compreender, mas percebo que o tempo e as diferenças que me afastam destes alunos é sempre menor que o poder da experiência humana. Sim, continuamos com conflitos tão semelhantes: a eterna solidão dentro de nossas próprias famílias; o medo de se mostrar apaixonado e vulnerável diante do outro; a dúvida em relação ao que faremos de nossas vidas, quando somos muito jovens... Eu vi esses sentimentos no olhar de vários alunos enquanto eu relatava como surgiu em mim a vontade de criar e escrever histórias.
Entre perguntas sobre como surgem os nomes dos personagens, quanto tempo demora-se para escrever um livro e qual seu processo de "fabricação", percebi o quanto os pavanáticos, como tantos outros adolescentes, têm sede de conhecimento. Fico chateada quando escuto pessoas dizendo que os jovens de hoje não querem saber de nada. Claro que há, atualmente, adolescentes desinteressados, como sempre houve, em todas as épocas e gerações. Mas não são a maioria absoluta, e percebemos isso quando lançamos a eles algumas sementes e vemos o quanto floresce. Estes jovens precisam de estímulo, merecem ser tratados como pessoas inteligentes que podem ainda desenvolver muito, caso não os deixemos de lado com a desculpa de que eles "não querem saber de nada".
Como eu disse a eles, perto da minha despedida: escrever nos faz pensar no nosso lugar no mundo. E quem não pensa em seu lugar no mundo, está aqui de bobeira. Eles entenderam o recado, li isso no olhar deles. E li algo que ainda está por ser escrito: o lugar de cada um, como ser humano e como cidadão.
Fiquei feliz por participar, mesmo que por poucos momentos, desse projeto da narrativa da vida de cada um. Obrigada, pavanáticos!