quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A autoritária (?) lista de leitura



Primeira semana de aula. Apesar de o corpo reclamar por acordar tão cedo (levantar antes do sol nascer não é natural, minha gente!), sinto-me feliz em retornar à escola. O abraço carinhoso daqueles que já são meus alunos há um ano ou mais e os olhares curiosos dos alunos novos sempre me trazem alegria e entusiasmo. Mas o dos alunos parece acabar quando a gente fala três famigeradas palavras: Lista de leitura.
Todo ano eu indico de 6 a 8 livros que os alunos devem ler ao longo do ano. Esta carga de leitura não ultrapassa a de 1 livro por mês. Sim, 1 livro em 30 dias. Não me parece muito, ao contrário, eu sempre li mais de um livro por mês desde os meus 12 anos... Mas para vários dos meus alunos, ler um livro por mês parece um fardo terrível, para não dizer impossível!
Geralmente, há dois tipos de lamento: o primeiro é o dos preguiçosos. Aqueles que não querem ler nem uma página por mês, quanto mais um livro. Com esses eu nem argumento. O segundo tipo é o dos rebeldes: geralmente são pessoas que gostam de ler, mas que se recusam a aceitar aquela lista específica de livros. Pergunto: vocês conhecem esses livros? Vocês conhecem esses autores? 99,9% diz que não, mas mesmo assim não gosta. Assim não dá, queridos! Vamos parar com esta história de não gostar de espinafre sem nunca ter comido... A motivação verdadeira por trás desta recusa é: não gostamos simplesmente porque a escola manda e professor diz que é legal. Se é escolar, tem que ser chato. Esse é o raciocínio? Argumento questionável, hein?
Porém, às vezes a gente escuta um argumento melhor e reconhece que ele merece uma resposta. Nesta semana, uma aluna me disse: “Professora, eu gosto de ler, não tenho nada contra ler um livro por mês, leio até mais. Mas por que você não deixa a gente escolher os livros?”. Pela classe, rumores de aprovação que logo viraram uma balbúrdia... Viva a liberdade! Abaixo a ditadura na aula de literatura (até rimou!)! Pelo fim da opressão dos livros escolhidos pela professora! Achei que era melhor argumentar antes que eles continuassem seu ímpeto revolucionário.
Não é de hoje que os alunos me questionam sobre isso. Por um lado, seria muito interessante que os alunos pudessem escolher suas leituras, pois isso poderia aumentar seu interesse pelos livros e sua adesão às atividades propostas nas aulas. Por outro lado, essa experiência poderia limitar muito a atuação do professor no sentido de ampliar as habilidades e o repertório de leitura dos alunos. Como? É simples: há alguns anos, fiz esta experiência democrática, deixei que os alunos sugerissem quais livros leríamos durante o ano. Resultado: uma lista de bestsellers juvenis e histórias em quadrinhos.
Não estou aqui dizendo que estes livros são ruins, principalmente porque o adjetivo “bom” ou “ruim” deve sempre ser seguido da palavra “para”. Ou seja, estes bestsellers podem ser narrativas ótimas, divertidas, mas a maioria dos que foram sugeridos, naquela ocasião, eram livros que não traziam uma linguagem interessante (ao contrário, ela era facilitada ao máximo), nem temas relevantes, que realmente enriqueceriam nossas aulas.
Portanto, em minha defesa de que o professor deve escolher o que seus alunos vão ler, apresento dois pontos principais. Em primeiro lugar, é preciso que os livros desafiem minimamente os alunos para que eles ampliem sua capacidade de leitura. Porém, infelizmente, ao escolher o que vão ler, a maioria dos alunos não quer de forma alguma sair da sua zona de conforto. Os livros que escolho, geralmente, oferecem uma estrutura e uma linguagem que vão obrigar até os alunos que têm o gosto e o hábito da leitura a pensar, a se esforçar um pouco. Pode parecer ruim, a princípio, mas os ganhos são muitos.
Em segundo lugar, considero importante que eu indique livros que meus alunos dificilmente escolheriam. Sim, estou aqui para ampliar o cardápio, apresentar novos sabores. Se nós, professores de literatura, só oferecermos ao aluno o livro que ele mesmo escolheria na estante da livraria, o que estamos acrescentando na formação dele?
Além disso, a sociedade, os PCNs, o ENEM, os vestibulares nos impõem a missão de apresentar aos alunos uma lista de “leituras obrigatórias”, “autores clássicos” etc... Para além da questão da simples cobrança: se um autor ultrapassou seu tempo, teve centenas de edições ao longo dos séculos, não vale a pena a gente conferir o que ele escreveu? Como eu digo para meus alunos quando eles torcem o nariz para o Machado de Assis: “Dá uma chance para o Joaquim Maria, vai...”. Às vezes, os livros que a gente pensa que devem ser uma chatice, só porque foram indicados pela escola, podem trazer agradáveis surpresas!

P.S. – Dedico este texto a todos os meus alunos, principalmente aos leitores apaixonados e questionadores!