Há dias em que tenho medo...
Muito medo! Talvez meus poucos, seletos leitores se perguntarão: estará Lia
tendo algum surto paranoico? Imagina-se perseguida pela máfia chinesa? Leu
tantas histórias sobre vampiros que vê mortos-vivos no jardim? Ora, direis, ver
mortos-vivos... Certo perdeste o senso, parodiando o imortal Bilac...
Bom seria se fosse apenas um
surto paranoico, mas meu medo é de algo bem real: temo ler as notícias do dia.
Aquele ritual que ficou no passado, de abrir o jornal de manhã. Ou, mais
modernamente, de abrir os portais virtuais de notícias no começo do dia. Ou a
qualquer momento do dia. Sinto uma leve taquicardia ao imaginar qual será o
próximo absurdo da política nacional, o próximo direito a ser pisoteado ou a
próxima carnificina a ser lamentada.
Algo que me intriga no mundo são
os indiferentes. Sabe aquele samba excelente do João Bosco? Tá lá o corpo
estendido no chão. E ninguém para sua vida por isso: o bar lota, a baiana vende
pastel, camelô vende anel, tem até discurso para vereador, que discursos
políticos sobre cadáveres não é novidade para ninguém... E depois todo mundo
vai embora, pensando na mulher ou no time.
E o corpo continua lá, estendido
no chão. Talvez uma representação bastante fidedigna do nosso momento: vemos a
agonia de um estado democrático recém-nascido que não chegou a vingar. Uma
jovem democracia que lenta e dificilmente caminhava para estabelecer algumas
bases e que de repente parou. Mas continuamos indiferentes. E quando os passos
para trás começaram, tomamos um susto. Mas continuamos indiferentes. Enquanto
isso, alguns vociferam contra exposições de arte ou contra uma filósofa em
visita ao país. E leio hoje no portal da BBC que há juízes brasileiros (aqueles
com gordos salários e auxílio moradia de 4 mil reais por mês) que têm duas
folgas semanais e férias de 60 dias, e, no do jornal Estado de São Paulo que,
segundo o Banco Mundial, o Brasil deve cortar as universidades gratuitas. Mas,
para não pensar em nada disso, pode-se ler a seguinte notícia no portal da
revista Veja: a televisão já ocupa em média 6 horas do dia dos brasileiros.
E o corpo tá lá, estendido no
chão. E um silêncio servindo de amém.