sexta-feira, 7 de junho de 2019

Viagem ao redor do meu gramado

Dia desses estava em uma mesa com amigos (existe lugar melhor?), e entre vinhos e conversas, surgiu o assunto sobre viagens. Assunto corriqueiro hoje em dia, pauta aparentemente neutra (em tempos tão intolerantes) para uma conversa casual, tal qual a culinária, cortes de cabelo e esmaltes.
Mas não é que o assunto deu polêmica? É que eu falava risonhamente da minha paixão por viagens ser desproporcional ao ânimo do meu marido pelas mesmas viagens, que quando não é tão inferior ao meu, é inexistente. Perguntei a ele para onde ele queria viajar este ano: escolha qualquer lugar, eu disse, cheia de sonhos: Turquia, Islândia, China... Ele me disse: quero ficar no meu quintal, vendo a grama crescer. Uma releitura de Viagem ao redor do meu quarto, mais aberta, sem paredes?
Diante da reações de “Não acredito!”, “Eu daria tudo para receber uma proposta dessas!”, um dos meus amigos confessou que também não gostava de viajar. Que achava cansativo e chato fazer malas, enfrentar quilômetros, filas e outros contratempos. Que, no fundo, irritava-se com esse imperativo de ter que viajar nas férias. Que isso não passava de mais uma armadilha do capitalismo, a convencer as pessoas de que elas só serão felizes se viajarem, e, portanto, consumirem os enlatados do turismo. É realmente uma análise inteligente, porque viagens se tornaram também um produto que se vende como sinônimo de aventura e felicidade. Quando muitos dos enlatados do turismo não proporcionam nenhuma das duas coisas, necessariamente. E a felicidade pode estar no nosso diminuto pedaço de grama (ou de tapete, ou de sofá)...





Tudo bem, desculpa, podem ficar no seu gramado, eu disse, rindo... Eu até concordo com muitas coisas que eles disseram. Mas, no fundo, eu continuo apaixonada por viajar. Minhas malas tem um poder mágico: quando ficam paradas, começam a emitir um som baixo, que só eu percebo: suas rodas começam a girar sozinhas, me avisando que é hora de sair de novo. A imagem da estrada acompanha meus poemas e sonhos, me encantando com a possibilidade de conhecer algo novo que ficará na minha memória, mais um desenho no interessante mosaico que eu construo da vida.
Em todas as viagens que fiz (não foram muitas, mas tão importantes), houve cansaços e imprevistos. E o mais importante de tudo, houve encontros, pessoas que cruzaram meu caminho (às vezes por poucas horas, às vezes por alguns dias ou semanas) e trouxeram algum significado diferente àquelas paisagens, que deixaram de ser uma propaganda de agência de turismo ou um cartão-postal retocado para ser a minha experiência pessoal daqueles lugares. Porque a maior armadilha do capitalismo não é nos vender viagens (ou qualquer outra coisa), mas querer nos convencer de que estão nos vendendo uma experiência. E isso é algo que ninguém pode nos vender: a experiência é humana, única e irredutível a moedas, códigos de barra e cartões de crédito. E talvez por isso a viagem ao redor do próprio gramado possa ser, para alguns, melhor do que Cancun ou Paris...