quinta-feira, 2 de abril de 2020

Em defesa da polis

Um dos livros mais interessantes que li nos últimos anos foi O Senhor das moscas, de Wiliam Golding, publicado no período pós II Guerra Mundial. Eu resolvi adotá-lo como leitura obrigatória para alunos do 1º ano do ensino médio há um tempo, e tive a felicidade de descobrir no livro mais coisas do que eu previa.
Tenho dito com frequência que a literatura, especialmente a de fantasia, tem me trazido as melhores reflexões sobre essa tal de realidade (essa que com o tempo a gente aprende ser muito menos factual e racional do que a gente imagina). No livro de Golding, crianças e adolescentes postos em um avião para fugir da guerra caem em uma ilha deserta. O acidente mata todos os adultos e, sozinhos, os infantes precisam, diante da completa escassez de tudo, organizar-se e sobreviver. Há dois objetos significativos nesse enredo: uma concha, a qual, segundo um dos personagens que instaura uma assembleia, dá a quem a segura o direito à fala e à tentativa de persuasão dos demais; e uma lança, com a qual outro personagem estabelece pela força e pelo medo seu domínio sobre os demais.



Nesse momento em que presenciamos tanta privação, e que se avizinha um período em que essas privações vão se tornar piores (assim como os conflitos advindos delas), eu penso nesse romance e na sua pergunta: na disputa entre a concha e a lança, qual escolheremos? Se abandonarmos a política, resta-nos algo além da guerra? Talvez seja agora o momento de uma decisão radical pela política – não pelo que fizeram dessa palavra, associando-a a tudo de mais ignóbil e vicioso, mas por seu sentido mais essencial: o cuidado com a polis, a cidade, entendida como coletivo humano. É hora de entender que precisamos sair do individualismo e nos comprometer com o outro e com o coletivo. Isso, para mim, é a decisão radical pela política, recusando a guerra, que é o cada um por si (que também recebe, em outras instâncias, o nome de neoliberalismo).