Trago
um vinco entre os olhos que já faz parte da paisagem que tenho de mim. A dor,
os temores, a luta sulcaram minha pele bem ali onde se encontra, segundo
filosofias orientais, a consciência, a alma, o terceiro olho.
O
tempo escreveu em mim alguns versos curtos, mas bonitos. Olho as marcas do meu
rosto e vejo que um sorriso já está inscrito ali, tantas as vezes que apertei
os olhos de amor e elevei os lábios na alegria. Olho as linhas na minha testa e
posso ler nelas o espanto, a surpresa, a falta das respostas para as eternas
perguntas...
O
tempo escreveu em mim algumas histórias que ainda não sei contar. Há mais que
cicatrizes de tombos, feridas, cataporas e cortes. Há as invisíveis, difíceis
de ler, porque a gente coloca bastante maquiagem em cima. Mas sei que estão
ali; que, se tocadas ainda que de leve, podem verter fel e sangue. Elas me
calam, fazem-me sucumbir sem palavra que possa me salvar.
O
tempo escreveu em mim algumas certezas. A de que sou humana e mulher, com todas
as dores e delícias que isso me traz. A de que sou mulher e por isso vou ter
que lutar sem esquiva ou cansaço pelo respeito que me foi usurpado desde
séculos. Talvez daí meu medo da loucura: talvez não seja medo, seja memória. Se
fui mulher em outras vidas, fui chamada louca, libertina, perdida. Conheci
prisões e manicômios, e a memória da tortura nunca sai da carne. Talvez daí
também minha sede de liberdade infinita, esses lábios entreabertos sempre
esperando um novo e líquido amanhecer no qual eu possa caminhar.
E
caminho.
20.02.2019
por
ocasião dos meus 40 anos