segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Crônica natalina (ou anti-natalina???)

Odiava Natais e passagem de ano (que ele se recusava a chamar de reveillon). Era um cético convicto. Não se deixava seduzir por cãezinhos fofos com chapéus de Papai-Noel, nem com luzinhas coloridas nas sacadas, nem com os comerciais com votos de um feliz ano novo com textos de poetas renomados, belas paisangens, vovós e crianças sorrindo, jovens apaixonados se beijando. Às vésperas do Natal, gostava de refugiar-se, segundo suas próprias palavras, em um sítio em Cambuquira,onde construíra uma pequena casa, rústica mas aconchegante. Sem home theater. Sem churraqueira. Sem piscinas com cascatas ou tobogãs. Sem nada que atraísse aquele primo distante com a família, que subtamente poderia ser acomedito com uma saudade incontrolável dele.
Antes que se diga que era um mal amado, um infeliz - a ofensa mais comum àqueles que não se entregam às euforias coletivas, à felicidade superficial e barata - acrescente-se que se considerava bem casado (sem filhos, é claro, pois não queria transmitir a ninguém "o legado da nossa miséria"), tinha muitos amigos e era querido por eles.
Mas ainda assim, um cético convicto. Um dia, numa mesa de bar (onde surgem os melhores inventos, as mais profundas filosofias e são feitas as mais bombásticas revelações), perguntaram-lhe sobre "essa sua mania de não gostar de Natal".
- Zé, você tem que parar com essa sua mania de não gostar de Natal. O que é que tem reunir a família, presentear quem a gente gosta, fazer uma comida especial e agradecer tudo o de bom que a gente teve durante o ano?
- Eu já faço isso sempre! Olho no espelho toda manhã e digo pra mim mesmo: obrigado, Zé, por você ter me dado este pijama, esta escova de dente, esse barbeador...
E risonho, tomava mais um gole de cerveja.
- Estou falando sério, Zé. Você não acha que eu tenho razão?
- Claro! É tudo de bom reunir a família que não se vê quase nunca e todo mundo ficar falando que gosta muito de você, que estava com saudade... Se estava, por que não veio me ver antes? E essa coisa de trocar presente, então... Uns dias antes do Natal seus amigos e parentes começam a dar indiretas do tipo "Nossa, que lindo!", toda vez que você passa com eles na frente de uma vitrine. Ou então seu irmão vem e fala "Meu relógio quebrou, estou esperando pra comprar outro porque fim e começo de ano tem tanta conta pra pagar"...
- Ah, Zé, não é bem assim, você está exagerando. E assim mesmo, se não gosta de tudo isso, podia comemorar só você e a Linda, que, com todo o respeito à sua esposa, é realmente linda...
- A gente já comemora muito todo dia - disse com ar de malícia, levantando o braço e pedindo mais uma gelada.
Não se conformavam. Ele devia estar dizendo aquilo só para escandalizar. Para ser do contra. Mas um deles não se conteve:
- Mas porque você é tão chato assim? Digo no bom sentido, claro, uma pessoa assim tão crítica, tão descrente?
- É que eu me desiludi muito cedo.
Um silêncio pesaroso se espalhou pela mesa enquanto Zé enchia novamente os copos. Era um momento solene, algo de íntimo seria revelado. Todos olhavam Zé enquanto ele sorvia rapidamente a espuma que transbordava do seu copo, esperando que ele contasse episódios tristes de infância, brigas em volta do peru de Natal, cuecas e meias de presente.
- Ahhhh, delícia - e percebeu todos os olhares compassivos sobre ele. - O que que foi, gente? Alguém morreu?
- Provavelmente, todo dia morre alguém - disse um deles - mas estamos esperando você contar que desilusão foi essa!
- Ah, tá... Não é nada muito específico. É que tudo o que eu acreditava na infância era mentira, cara... o coelhinho da Páscoa, o papai Noel, a Vovó Mafalda...
- Vovó Mafalda?
- É, a Vovó Mafalda! Vai me dizer que você não se sentiu apunhalado pelas costas quando descobriu que a Vovó Mafalda era homem?
- Zé, eu estava falando sério...
- Eu também!

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