quarta-feira, 23 de maio de 2012

O fantástico (?) depoimento de Xuxa

Disseram os astrólogos que a posição dos planetas e um eclipse solar trariam a este domingo, 20/05/12, uma energia muito forte e singular. Teria sido isso que o levou a apresentadora Xuxa a revelar em cadeia nacional, depois de décadas, os abusos sexuais que sofrera na infância? Provavelmente, a declaração da ex-rainha dos baixinhos afetou mais os lares brasileiros do que o contexto astrológico, mas, brincadeiras à parte, o episódio levanta discussões sérias. 
A figura da apresentadora é bastante controversa. Suas declarações geram desconfianças: seriam um golpe de marketing para trazer a figura de Xuxa para as manchetes, agora que sua popularidade declina gradativamente? Seria um golpe da imprensa para afastar a opinião pública dos escândalos políticos atuais?
Entre as controvérsias, temos que considerar o caminho longo entre Maria da Graça e Xuxa, talvez cheio de concessões éticas em nome da conquista da fama e do enriquecimento (tão comuns a tantas pessoas, mas nem todas malhadas pela opinião pública). Iniciando sua carreira como modelo, Xuxa estrelou filmes eróticos e posou nua para revistas. Ainda quando se tornara apresentadora do programa infantil "Xou da Xuxa" (para engulhos dos defensores da boa ortografia), permaneceu um grande apelo erótico sobre sua imagem, em figurinos que aliavam shorts curtíssimos a botas de cano longo; em capas de discos em que a apresentadora aparecia numa piscina com pétalas de rosas, com ombros nus, ou em posições que evidenciavam seu traseiro ou suas belas pernas.
Não, longe de mim querer apedrejar uma mulher por usar seu próprio corpo (afinal, ele lhe pertence) para seu usufruto e sustento. Para mim, o que gera desconfiança mesmo é o fato de Xuxa e a TV Globo terem tentado apagar esse passado. Erotizar sutilmente a figura da apresentadora para aumentar a audiência do programa e a venda de discos, tudo bem, mas filme pornô é demais. Porém, apesar dos esforços para fazerem todas as cópias do famigerado "Amor, estranho amor" desaparecerem, todos eles se tornaram inúteis depois que o Youtube e outros sites de compartilhamento de vídeos passaram a existir.
Este filme, sobretudo, causa polêmica porque Xuxa contracena com um menor de idade. Cenas de conteúdo erótico com menores são qualificadas como crime pela lei brasileira. E também como pedofilia (embora essa questão é mais complexa: pode se considerar um garoto de 16 anos, na contemporânea sociedade brasileira urbana, uma criança?). E aí está a grande controvérsia: a "rainha dos baixinhos", benfeitora da infância, protetora das crianças... pedófila? E agora, vítima de abuso sexual na infância e adolescência?
É fácil atirar pedras em alguém com essa biografia, e foi o que mais vi em blogs, sites e redes sociais nesta semana, depois do depoimento de Xuxa ao programa Fantástico, um clássico de domingo nos lares brasileiros. Mas o que mais me chamou a atenção nestes comentários foi a lógica de que ela não tinha qualquer moral para falar de abuso sexual, pois ela havia feito filmes pornográficos. Um pensamento perigoso, que mais uma vez evidencia um valor arraigado em nossa sociedade: a de que a mulher que expõe seu corpo e que o usa como bem entender perde o direito de exigir respeito a ele. Em outras palavras: se ela usa roupas curtas, é "fácil", então qualquer um pode pegar, usar, sem precisar de autorização. Se ela estiver bêbada e embaixo de um edredom, então, nem se fala (só para lembrar outro lamentável episódio envolvendo a rede Globo neste ano...).
Não sou fã de Xuxa e, ao contrário, considero sua atuação na televisão e na cultura brasileira em geral lamentável. Nunca entendi como uma pessoa com voz tão irritante pôde gravar e vender tantos discos. Mas, apesar disso, acho ainda mais lamentável que, diante de uma denúncia pública de abuso sexual (sem entrar no mérito da veracidade ou não deste depoimento, nem de suas supostas intenções mercadológicas ou políticas), pessoas venham a dizer que ela não tem o direito de se sentir violentada por ter sempre sido uma pessoa imoral (lê-se sexualmente apelativa). Quantas atrizes no Brasil não fizeram pornochanchadas entre a década de 70 e 80? Cláudia Raia, Maitê Proença e tantas outras fizeram tais filmes e nem por isso devem ter menos direitos e menos respeito como cidadãs.
Enfim, há de se levar em consideração um aspecto positivo: quando uma pessoa pública, uma celebridade, aparece na televisão denunciando crimes sexuais, isso serve como exemplo para que outras mulheres o façam. Sabemos como essa questão é difícil e delicada: a vergonha e o medo ainda silenciam milhares de mulheres que sofrem violência doméstica todos os dias. Ainda que seja encenação, o depoimento de Xuxa trouxe uma frase relevante: Não contei para o meu pai porque ele não acreditaria em mim (ou algo assim, não lembro da frase ipsis litteris). Quem sabe isso não sirva como um alerta para pais prestarem mais atenção em seus filhos, averiguarem melhor o que ocorre dentro de suas próprias casas? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário