Uma das coisas mais bonitas da minha infância era o domingo
de Páscoa. Na minha memória, a manhã era sempre fria e de céu azul. Acordávamos
de manhã para a missa e não queríamos sair das cobertas macias. Mas as mãos rudes
da minha avó, rudes do trabalho, de socar arroz no pilão, queimar o dedo nos
tachos de doce, bater roupas nas pedras durante décadas, nos chamava para os
deveres cristãos. Deveres que para mim eram deleites.
Venho de uma família cristã e mineira, para quem a Semana
Santa era algo muito importante. Mais que isso, solene, cheia de um lamento
misturado ao esplendor. Na procissão da terça-feira, os homens levavam Jesus,
que encontrava Nossa Senhora das Dores, levada pelas mulheres – a mãe,
dilacerada pela dor, despedia-se do filho. Na quinta-feira, depois do lava-pés,
Jesus se dava a comer na última ceia, despedia-se do mundo, mas dizia nunca deixá-lo.
Aquilo impressionava meus ouvidos infantis: “Comei minha carne, bebei do meu
sangue”, e hoje ainda maravilha meus pensamentos: um Deus-alimento. E depois a
missa do sábado, a fogueira a arder na frente da igreja; a bênção do fogo e da
água, as promessas da renovação. E finalmente, no domingo, Jesus ressuscitava,
vencia a morte, tudo era esperança! O almoço especial do domingo confirmava
essa verdade, assim como o único ovo de chocolate, dividido entre os 6 membros
da família, mais alguma visita ou vizinho que parara ali para almoçar, porque
sentiu da calçada o cheiro bom do feijão da D. Helena, minha mãe.
Eu contemplo essas lembranças como se fossem um quadro, uma
fotografia de família daquelas que a gente pendura na parede. Tenho saudade
dessa fé que me pegava nos braços e me balançava. Agora, os gestos de esperança
me parecem mais raros. Mas de vez em quando a gente percebe uma ponta de asa
atrás da porta e se pergunta se seria um anjo.
Hoje fui almoçar na casa da minha sogra, D. Lázara. Há pouco
mais de um mês, meu sogro faleceu e esta foi a primeira data festiva sem sua
presença. Em sua juventude, Seu Belmiro era rezador na comunidade rural de
Ivaiporã, no Paraná: encomendava corpos, rezava em enterros, novenas de Páscoa
e Natal, benzia crianças doentes e com quebranto, e ainda tocava sanfona nos
bailes. Como diz D. Lázara, um homem popular.
Os filhos, netos, bisnetos e tataraneta de Seu Belmiro
estavam lá hoje, para celebrar a Páscoa comendo a tradicional carne assada com
maionese, arroz, feijão, macarrão, farofa e tudo o mais que se tem direito (por
que na mesa dos Topan não tem miséria, graças a Deus, como dizia meu finado sogro).
Minha sogra estava nostálgica, contemplando a comilança geral e falando de seu
Belmiro a cada 5 minutos.
Não, não havia ovos de chocolate nem coelhinhos da Páscoa. Mas
houve um momento em que alguns dos netos entraram pelo portão com uma grande caixa
embrulhada para presente:
- Vó, é uma surpresa para você!
Ela ficou de pé, apoiou a caixa em uma cadeira e rasgou o
papel rapidamente, como qualquer criança. E seus olhos brilharam:
- É uma boneca, uma boneca! – ela ria enquanto chorava e
tirava da caixa o bebê-boneca, e o aconchegava em seu peito. – Eu sempre adorei
bonecas e a única que eu tinha quebrou.
Eu vi os olhos alegres daquela criança de quase 80 anos. As de
8 anos, em volta, olhavam a caixa recém-aberta, perguntando-se se não haveria
mais presentes. Olhos de esperança, de expectativa. A mesa e seu almoço
especial. Sim, era a Páscoa da minha infância novamente...