domingo, 1 de abril de 2018

Páscoa


Uma das coisas mais bonitas da minha infância era o domingo de Páscoa. Na minha memória, a manhã era sempre fria e de céu azul. Acordávamos de manhã para a missa e não queríamos sair das cobertas macias. Mas as mãos rudes da minha avó, rudes do trabalho, de socar arroz no pilão, queimar o dedo nos tachos de doce, bater roupas nas pedras durante décadas, nos chamava para os deveres cristãos. Deveres que para mim eram deleites.

Venho de uma família cristã e mineira, para quem a Semana Santa era algo muito importante. Mais que isso, solene, cheia de um lamento misturado ao esplendor. Na procissão da terça-feira, os homens levavam Jesus, que encontrava Nossa Senhora das Dores, levada pelas mulheres – a mãe, dilacerada pela dor, despedia-se do filho. Na quinta-feira, depois do lava-pés, Jesus se dava a comer na última ceia, despedia-se do mundo, mas dizia nunca deixá-lo. Aquilo impressionava meus ouvidos infantis: “Comei minha carne, bebei do meu sangue”, e hoje ainda maravilha meus pensamentos: um Deus-alimento. E depois a missa do sábado, a fogueira a arder na frente da igreja; a bênção do fogo e da água, as promessas da renovação. E finalmente, no domingo, Jesus ressuscitava, vencia a morte, tudo era esperança! O almoço especial do domingo confirmava essa verdade, assim como o único ovo de chocolate, dividido entre os 6 membros da família, mais alguma visita ou vizinho que parara ali para almoçar, porque sentiu da calçada o cheiro bom do feijão da D. Helena, minha mãe.

Eu contemplo essas lembranças como se fossem um quadro, uma fotografia de família daquelas que a gente pendura na parede. Tenho saudade dessa fé que me pegava nos braços e me balançava. Agora, os gestos de esperança me parecem mais raros. Mas de vez em quando a gente percebe uma ponta de asa atrás da porta e se pergunta se seria um anjo.

Hoje fui almoçar na casa da minha sogra, D. Lázara. Há pouco mais de um mês, meu sogro faleceu e esta foi a primeira data festiva sem sua presença. Em sua juventude, Seu Belmiro era rezador na comunidade rural de Ivaiporã, no Paraná: encomendava corpos, rezava em enterros, novenas de Páscoa e Natal, benzia crianças doentes e com quebranto, e ainda tocava sanfona nos bailes. Como diz D. Lázara, um homem popular.

Os filhos, netos, bisnetos e tataraneta de Seu Belmiro estavam lá hoje, para celebrar a Páscoa comendo a tradicional carne assada com maionese, arroz, feijão, macarrão, farofa e tudo o mais que se tem direito (por que na mesa dos Topan não tem miséria, graças a Deus, como dizia meu finado sogro). Minha sogra estava nostálgica, contemplando a comilança geral e falando de seu Belmiro a cada 5 minutos.

Não, não havia ovos de chocolate nem coelhinhos da Páscoa. Mas houve um momento em que alguns dos netos entraram pelo portão com uma grande caixa embrulhada para presente:

- Vó, é uma surpresa para você!

Ela ficou de pé, apoiou a caixa em uma cadeira e rasgou o papel rapidamente, como qualquer criança. E seus olhos brilharam:

- É uma boneca, uma boneca! – ela ria enquanto chorava e tirava da caixa o bebê-boneca, e o aconchegava em seu peito. – Eu sempre adorei bonecas e a única que eu tinha quebrou.

Eu vi os olhos alegres daquela criança de quase 80 anos. As de 8 anos, em volta, olhavam a caixa recém-aberta, perguntando-se se não haveria mais presentes. Olhos de esperança, de expectativa. A mesa e seu almoço especial. Sim, era a Páscoa da minha infância novamente...

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