Dia desses estava em uma mesa com amigos (existe lugar
melhor?), e entre vinhos e conversas, surgiu o assunto sobre viagens. Assunto
corriqueiro hoje em dia, pauta aparentemente neutra (em tempos tão
intolerantes) para uma conversa casual, tal qual a culinária, cortes de cabelo
e esmaltes.
Mas não é que o assunto deu polêmica? É que eu falava
risonhamente da minha paixão por viagens ser desproporcional ao ânimo do meu
marido pelas mesmas viagens, que quando não é tão inferior ao meu, é
inexistente. Perguntei a ele para onde ele queria viajar este ano: escolha
qualquer lugar, eu disse, cheia de sonhos: Turquia, Islândia, China... Ele me
disse: quero ficar no meu quintal, vendo a grama crescer. Uma releitura de
Viagem ao redor do meu quarto, mais aberta, sem paredes?
Diante da reações de “Não acredito!”, “Eu daria
tudo para receber uma proposta dessas!”, um dos meus amigos confessou que
também não gostava de viajar. Que achava cansativo e chato fazer malas,
enfrentar quilômetros, filas e outros contratempos. Que, no fundo, irritava-se
com esse imperativo de ter que viajar nas férias. Que isso não passava de mais
uma armadilha do capitalismo, a convencer as pessoas de que elas só serão
felizes se viajarem, e, portanto, consumirem os enlatados do turismo. É
realmente uma análise inteligente, porque viagens se tornaram também um produto
que se vende como sinônimo de aventura e felicidade. Quando muitos dos
enlatados do turismo não proporcionam nenhuma das duas coisas, necessariamente.
E a felicidade pode estar no nosso diminuto pedaço de grama (ou de tapete, ou
de sofá)...
Tudo bem, desculpa, podem ficar no seu gramado, eu disse,
rindo... Eu até concordo com muitas coisas que eles disseram. Mas, no fundo, eu
continuo apaixonada por viajar. Minhas malas tem um poder mágico: quando ficam
paradas, começam a emitir um som baixo, que só eu percebo: suas rodas começam a
girar sozinhas, me avisando que é hora de sair de novo. A imagem da estrada
acompanha meus poemas e sonhos, me encantando com a possibilidade de conhecer
algo novo que ficará na minha memória, mais um desenho no interessante mosaico que
eu construo da vida.
Em todas as viagens que fiz (não foram muitas, mas tão
importantes), houve cansaços e imprevistos. E o mais importante de tudo, houve
encontros, pessoas que cruzaram meu caminho (às vezes por poucas horas, às vezes
por alguns dias ou semanas) e trouxeram algum significado diferente àquelas
paisagens, que deixaram de ser uma propaganda de agência de turismo ou um
cartão-postal retocado para ser a minha experiência pessoal daqueles lugares.
Porque a maior armadilha do capitalismo não é nos vender viagens (ou qualquer
outra coisa), mas querer nos convencer de que estão nos vendendo uma
experiência. E isso é algo que ninguém pode nos vender: a experiência é humana,
única e irredutível a moedas, códigos de barra e cartões de crédito. E talvez
por isso a viagem ao redor do próprio gramado possa ser, para alguns, melhor do
que Cancun ou Paris...
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