terça-feira, 19 de outubro de 2010

Meu primeiro aprendizado da poesia

Neste fim de semana, fui a Minas Gerais, depois de anos sem pisar neste lugar que de certa forma também é meu berço. Nasci no interior de São Paulo, mas os dois ramos de minha família, materno e paterno, são do sul de Minas. Então me sinto no direito de dizer que também existe um ser mineiro em mim. Toda vez que visito Minas me invade uma sensação de familiaridade. As casas das minhas tias, com seus fogões de lenha e seus quintais cheios de couve, cebolinhas e erva-cidreira. Os tantos morros e montanhas que cortam o céu muito azul, as ruas estreitas de Três Corações. Tudo isso para mim tem um sabor de infância.
Visitei o túmulo de minha avó, Júlia Corrêa, mulher forte, decidida, corajosa. Ela que iniciou uma sucessão de mulheres também fortes e determinadas a buscar seu lugar no mundo, que pode ser (ou não!) ao lado de um homem, mas nunca atrás. Há muitas Júlias na nossa família. Júlia vive em nós. Quando olhei seu túmulo, a placa com seu nome, a imagem de Nossa Senhora Aparecida que ela tanto gostava sobre sua lápide, não pude deixar de agradecer por ter convivido 15 anos da minha vida com a velha Júlia. Sem saber, essa mulher que nunca sentou em bancos escolares me proporcionou meu primeiro aprendizado da poesia.
Ela e a bela Helena, minha mãe - singeleza em forma de gente - com suas histórias e suas costuras. Helena transformava tecido em leveza, nuvem, susurro em forma de saias. Júlia fazia crochê e colchas de retalho, com que nos cobríamos na falta de cobertores. Mas eram coloridas e pesavam sobre o corpo nas noites de inverno. Aqueciam como suas mãos calejadas e quentes, como as histórias da família contadas e recontadas nas refeições, nas tardes em que comíamos o cororó (para quem não sabe, a parte do fubá de milho que fica grudada na panela, quando fazemos angu ou, na versão paulista, polenta) com leite, no quintal.
Essas mulheres me apresentaram aos anjos, demônios e santos da Bíblia. Quando ia a Três Corações, tia Manuela se encarregava de me apresentar aos lobisomens, sacis e assombrações diversas. Uma vez ela ficou morando em nossa casa, para fazer um tratamento de saúde. Foram meses de histórias fabulosas. Eu, Nalva e Sara, minhas irmãs, abancadas ao lado de sua cama, ouvíamos nas tardes compridas histórias que nos faziam ter medo à noite e acordar a outra para não ficar sozinha na casa que dormia silenciosa.
Essas foram as minhas primeiras lições de literatura. Antes das primeiras letras. Das primeiras leituras.

Um comentário:

  1. Jú dessa vez vc me fez chorar,como é lindo e sábia as palavras que vc escreve,me fez voltar ao passado ,vivi muito do que escreveu ,lembra?cororó de angu rsrsrsr amoooo até hoje, as cobertas de retalhos,os crochês da Vó Julia,nossa quanta saudade, das nossa casinhas ,sempre eu e vc, e a Nalva e a patricia rsrsr adorei td isso grande bjo.saudades

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