Nesta semana, a rede Globo de televisão iniciou mais uma novela - o bom e velho folhetim televisivo, tão desprezado por nossa intelectualidade e amado por pessoas de todas as classes sociais. O que os intelectuais ignoram é que a telenovela brasileira é patrimônio nacional, faz parte da nossa cultura, do nosso imaginário, da nossa educação narrativa. Não se pode desprezar a importância de um objeto como esse. Por outro lado, o que os amantes das novelas ignoram é que esse objeto tem se empobrecido na medida em que suas tramas e recursos expressivos se repetem à exaustão, bem como seus personagens reproduzem estereótipos que passam longe, por vezes, da complexidade do ser humano.
E por falar em estereótipos, as protagonistas de "Fina Estampa" não fogem deles, aparentemente. Teresa Cristina é a típica mulher rica, fútil, mimada. A megera que maltrata seus empregados, inferniza o marido, controla a vida dos filhos (ou, pelo menos, tenta). No polo oposto, Griselda Pereira, mais conhecida como "Pereirão", marido de aluguel, é a mulher trabalhadora, chefe de família, que quebra os preconceitos: é independente, não se importa com sua aparência, com futilidades (ela tem 3 filhos e um neto para criar, como declara a todo instante para outros personagens). Será mesmo?
A personagem de Pereirão é, obviamente, aquela que cativa a simpatia do público brasileiro, que se identifica tanto com sua batalha diária, com suas dificuldades, quanto com sua defesa da família. Ela é a mãe que se sacrifica pelos seus (outro velho e conhecido estereótipo das novelas brasileiras, Manoel Carlos e suas Helenas que o digam!). Mas há algo que me incomoda nessa personagem: ao contrário de quebrar preconceitos e realçar o valor da mulher, Griselda reforça a imagem da mulher que, para se estabelecer profissionalmente, se fortalecer emocionalmente e conquistar o respeito da sociedade, se masculiniza.
No que depilar o buço, passar um batom, usar cremes, luvas e ser gentil interfereria na competência de Griselda? Afinal, é possível que uma mulher trabalhe com manutenção e serviços gerais sem se tornar um homem. Apesar desse tipo de serviço ser árduo, exigir roupas confortáveis e que serão sujadas e manchadas de graxa, tinta e outros materiais (como um macacão de mecânico, usado pela personagem), nada impediria que Griselda fosse feminina. Por que a feminilidade não é só uma roupa. É sentimento, identidade, coisas mais complexas...
Mas a roupa de Griselda esconde suas formas femininas (tanto que personagens a chamam de senhor por não reconhecerem uma mulher), símbolo da negação da própria sexualidade. Ela ignora completamente os olhares do belo e apaixonado Guaraci, patrão de seu filho e que enxerga a mulher por trás da máscara masculina. A pergunta que me fica é: é preciso negar a sexualidade para ser a mãe exemplar e mulher forte? O corpo, a sexualidade feminina, nessa ótica, seria uma fonte de fraqueza?
Obviamente, a imagem que a trama pretende passar é de uma mulher que se tornou forte. Mas volta a pergunta: é preciso ser homem para ser forte? Quando Griselda enfrenta um cliente que não quer pagar seus serviços, alegando que vai quebrar o que fizera, e ainda responde agressivamente a um grupo de homens que assistia a discussão, num quiosque de praia, um deles declara: "Isso é que é macho!".
Chamar para a porrada, tradicionalmente, é mesmo coisa de homens (eu, como pessoa e mulher, acho que há maneiras mais inteligentes e menos danosas de se resolver os problemas do que a violência física). Mas discutir, reclamar seus direitos e enfrentar um homem que os desrespeita não. Isso é coisa de mulher forte, também. Assim como trabalhar de sol a sol, sustentar uma família, se desdobrar entre a jornada de trabalho e a criação dos filhos e netos.
Coisa que vai muito além da estampa. Mulheres fortes fazem tudo isso sem perder a feminilidade (mesmo que o dinheiro e o tempo seja curto, ou que muitas vezes a sutileza fique de lado e elas tenham que se impor de forma mais agressiva). Nesse ponto, as mulheres brasileiras são professoras!
Uma escritora em busca das palavras - que transitam do corpo para o papel, ou para a tela...
sábado, 27 de agosto de 2011
Ela sempre volta
Alguns meses se passaram sem que eu passasse por aqui. Peço desculpas aos meus poucos leitores!
A poesia parecia ter me abandonado, sufocada entre as obrigações morais e civis (como diria o Pessoa).
Mas ela voltou e nesta semana tive uma overdose - escrevi três poemas. Um deles aqui vai, os outros ainda estão dormindo em seus arquivos, não estão prontos para exibir-se aos olhos do mundo.
A poesia parecia ter me abandonado, sufocada entre as obrigações morais e civis (como diria o Pessoa).
Mas ela voltou e nesta semana tive uma overdose - escrevi três poemas. Um deles aqui vai, os outros ainda estão dormindo em seus arquivos, não estão prontos para exibir-se aos olhos do mundo.
Prece à Primavera
Suplico-lhe, adorada Primavera,
que não venhas.
Não posso mais florir.
Guarda tuas gotas
tuas chuvas benfazejas
peço-te, não me provoques
com teus dedos úmidos
com sussurros de pólen
e sementes à espera.
Suplico-lhe, misericordiosa,
não me torture
com tulipas
lábios de lisianto
beijos de borboleta.
Não posso mais florir.
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