sábado, 15 de junho de 2013

Uma alegria difícil

Dias atrás reencontrei Clarice. Sim, a Lispector. Chamo-a assim, pelo primeiro nome, apesar do protesto de alguns colegas de universidade. E nesse reencontro, proporcionado por uma aluna, que está fazendo seu TCC sobre a renomada autora, me deparei com uma ideia maravilhosa: a da "alegria difícil". É o que declara sobre o que lhe trouxe a personagem G.H: "uma alegria difícil, mas chama-se alegria".
Só essa frase foi capaz de descrever os sentimentos contraditórios que tenho sentido quando vejo os jornais e leio notícias pela internet sobre os protestos em São Paulo. O que eu sinto quando vejo uma imagem como essa:



Enganam-se aqueles que pensam que essas pessoas estão protestando por conta de alguns centavos. Como diz o vulgo, o buraco é mais embaixo. Creio que o povo grita o que tem calado há tanto tempo - e aí está minha alegria. O grito. O grito que desperta. O grito que escancara as injustiças, que portanto não podem mais ser negadas. E por isso, o grito que assusta, amedontra, desconcerta àqueles que querem manter o estado de coisas, seus poderes e privilégios.
Entretanto, ainda há aqueles que insistem em negar: ontem assisti ao depoimento do governador Geraldo Alckmin aos jornalistas. Sobre a ação da PM: "A polícia acompanha as manifestações para proteger o cidadão". Sobre os protestos, afirmou que as manifestações teriam intuito político, não cívico - como se "apenas" protestar pelo aumento de um serviço público de péssima qualidade não fosse político.
Não me surpreenderam as afirmações do nosso digníssimo governador sobre a ação truculenta da PM. Afinal, a PM é subordinada ao poder do estado. O que me surpreende é ver pessoas acreditarem na versão de que os policiais só defenderam a população dos vândalos, dos vagabundos que, ao invés de trabalhar para fazer o país crescer, estão por aí quebrando a cidade. Valei-me, minha Nossa Senhora do Senso Crítico! Só apelando para o divino com essa gente, já que, nestes dias, sites, blogs e redes sociais têm difundido textos e imagens não só de manifestantes, mas de jornalistas que foram agredidos gratuitamente pela PM, que bateu e atirou primeiro. Só não enxerga quem não quer ver. E para quem não viu e quiser ver um pouco, recomendo a página:

http://www.melhorquebacon.com/24-momentos-protesto-sao-paulo/

Mas dizer que as manifestações têm intuito político é o óbvio ululante. Porque como disse Brecht, em seu famoso poema "O analfabeto político", o preço do feijão, e acrescento, da passagem de ônibus, tem tudo a ver com a política. Mas é claro que Alckmin não quiz ressaltar o quanto a população paulistana se tornou atuante; certamente se referiu a isso no mau sentido, como se fosse uma conspiração partidária para abalar o aparente inabalável governo de décadas de seu partido em nosso estado. O que as notícias, vídeos e depoimentos de manifestantes e jornalistas na web têm me mostrado é que podemos supor o oposto. A iniciativa de responder jogando a tropa de choque na população não é nada nova por aqui - haja vista quantas vezes o governo do estado fez isso com o professorado em greves e prostesto desde a época do finado Mário Covas, isso para só falar dos tempos de """""democracia""""". Mas agora a reação truculenta e extremamente autoritária me parece trazer algo de novo: não apenas o intuito de intimidar, de amedontrar, mas de depreciar, de levar ao descrédito. Afinal, manifestações que seguem em ordem e sem violência (como estavam acontecendo antes da chegada da tropa de choque) são perigosas. Podem levar as pessoas não apenas a pensar, mas a acreditar no poder de seus pensamentos e suas vozes unidas.
Acredito que a ação da PM não foi um descontrole de policiais isolados, como vão provavelmente alegar os comandantes da política e da polícia estadual. E sim uma estratégia para reforçar o que já está no imaginário brasileiro: que fazer protestos públicos é coisa de vândalos e de quem não tem o que fazer. E de que o brasileiro tem que continuar cordial e impotente diante das decisões políticas. Afinal, é útil ao poder instituído passar a ideia de que somos um bando de alienados e por isso não vale a pena fazer nada. E se convencidos de que somos vozes isoladas, a inação toma conta de nós.   
Estou triste ao ver e ouvir relatos de pessoas que foram seriamente agredidas e presas. Vi um post no Facebook da cantora Juliana Amaral, muito bonito, em que ela dizia que era impossível cantar diante de tanta violência. Eu também me calo às vezes, com a alma pesada. O silêncio da morte se apodera de mim, principalmente, quando vejo pessoas defendendo a ação da PM, a truculência e o autoritarismo. Mas ao mesmo tempo, eu me alegro ao ver as pessoas na rua. Ao ver jovens oferecendo flores à tropa de choque - como em outros momentos da história. Ao perceber que não somos marionetes.
É uma alegria difícil, mas chama-se alegria.

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