quinta-feira, 27 de junho de 2013

As suspeitas intenções (e consequências) do imediatismo

Sente-se um clima de vitória em vários discursos. Depois do povo ter ido às ruas, ter gritado contra o aumento das tarifas dos transportes, dezenas de cidades anunciaram uma pequena redução no valor das passagens de ônibus. Nesta semana, a famigerada PEC-37 foi finalmente vetada por nossos parlamentares, aprovou-se a destinação dos royalties do petróleo para a área da educação e da saúde, anunciou-se a realização próxima de um plebiscito para a tão almejada reforma política e estamos perto de tornar a corrupção um crime hediondo.
Diante de tudo isso, tomadas de otimismo, algumas pessoas declaram que o Brasil mudou, que agora o povo não aceita mais a corrupção e a manipulação, que agora o futebol não é mais o ópio do povo, como sugere a charge abaixo.

Charge publicada na Suíça sobre as manifestações no Brasil. O texto do balão diz: "Isso não funciona mais".


O Brasil tem se transformado, sim. Mas isso não aconteceu em duas semanas, por conta do povo ter "tomado as ruas". Isso vem de um longo processo de educação política, no qual somos ainda tão iniciantes, em uma República de pouco mais de 100 anos que, ainda por cima, passou praticamente 50 deles em regimes ditatoriais.
Digo isso porque a aprovação de tantas demandas públicas nesse curto espaço de tempo me sugere apenas o imediatismo de quem teme o resultado das urnas nos próximos anos (já que agora o brasileiro, de repente, pode passar a ter memória política e levar isso em conta na hora de votar). Figuras públicas e partidos políticos se adiantam em declarar que "finalmente faremos a reforma política", como se eles estivessem lutando por isso há anos. Seria cômico, se não fosse trágico, ver Renan Calheiros e Aécio Neves parabenizando o povo brasileiro por conquistas que eles sempre se esforçaram por impedir ou adiar.
Nada cômico, e também muito trágico, é ver pessoas atacando Lula e sua administração por não ter realizado tais reformas, acusando-o de não ter feito absolutamente nada pelo país. Lula não é santo nem herói, mas é muita falta de conhecimento (ou cegueira ideológica) ignorar as conquistas sociais alcançadas nos últimos 10 anos. Além disso, os presidentes anteriores (não nos esqueçamos que houve 3 mandatos presidenciais antes de Lula chegar à presidência) também não fizeram esforços no sentido de aumentar recursos destinados à educação, muito menos acenaram com a possibilidade de uma reforma política. Ao contrário disso, FHC articulou sua continuidade no poder, comprando votos de parlamentares com dinheiro público para aprovar a lei da reeleição, mas ninguém deu um nome interessante (do tipo "Mensalão") para isso, nem investigou, nem puniu. Então, não sejamos ingênuos. A César o que é de César: um partido que está há 10 anos no governo federal não pode ser exclusivamente culpabilizado por séculos de corrupção e pela manutenção dos privilégios políticos. Nem acusado de não ter feito milagres - já que apenas poderes sobrenaturais seriam capazes de mudar em 10 anos a maioria de sociedade que fez e faz política de maneira escusa ao longo destes séculos, ou seus governantes que, sim, infelizmente, a representa.
E em se tratando deste assunto, talvez o grande câncer da nação, a transformação da corrupção em um crime hediondo, em si, não vai extirpá-la. A maioria da população brasileira, com seu precário conhecimento da nossa legislação, tem o hábito de dizer que, no Brasil, existe criminalidade porque as leis são brandas. O problema não são as leis, em si, mas aqueles que todos os dias buscam maneiras de burlá-las. Aqueles que acham que as regras existem para os outros, e não para eles, que só possuem direitos, e não deveres. E quando digo isso, não me refiro aos deputados, aos peixes grandes, mas a qualquer cidadão.
Não vai adiantar transformar a corrupção em crime hediondo, ou aumentar os recursos destinados à educação, se não houver uma transformação da mentalidade brasileira, ou para ser mais específica, na dimensão que temos da esfera privada e da esfera pública, dos direitos pessoais e dos direitos coletivos. Os primeiros ainda prevalecem sobre os segundos, tanto em nossos pensamentos quanto em nossas ações. E isso faz com que os problemas referentes aos serviços públicos, no Brasil, não sejam apenas de repasse de verbas, mas sobretudo um problema de gestão destas verbas. Aí chegamos naquele ponto que não depende só do presidente, do deputado, do governador, do prefeito, mas das milhares de pessoas que estão transformando as leis e o dinheiro público em serviços. E nesse quesito, estamos mal, muito mal. Vemos pessoas sem gana, que fizeram um concurso público não em busca de um trabalho, mas de um salário. Acho legítimo que as pessoas sejam bem remuneradas por seu trabalho, mas acho triste que alguém almeje um cargo no serviço público não porque ele se relacione com sua área de formação ou de atuação, mas porque ele "paga tantos mil reais". Mais lamentável ainda é alguém que, estando nesse grupo, nem se esforça por fazer com competência e compromisso o seu trabalho, mas faz menos que o mínimo, porque sabe que suas chances de ser demitido são mínimas, quando não são inexistentes.
Esse comportamente dificilmente é taxado como corrupto pela maioria das pessoas com que convivo. Ao contrário, é visto como algo normal, o que me desperta revolta ou desânimo. Uma vez, um servidor da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo me relatou que os diretores das escolas públicas dispõem de uma verba anual para pequenas reformas nas escolas, mas que, visitando uma determinada escola que era famosa por suas péssimas estalações, ele se surpreendeu com a sala da diretora. Em uma escola que tinha goteiras nas salas de aula e na biblioteca, carteiras velhas e desconfortáveis, paredes descascando e problemas no encanamento, a sala da diretora era digna de sair em uma revista de decoração. É um exemplo que diz muito sobre as considerações que fiz anteriormente sobre os direitos pessoais e coletivos.
Longe de mim dizer que a verba destinada à educação é suficiente, óbvio que é preciso fazer maiores investimentos em educação (aumentando o salário do professorado, sobretudo, pois não adianta investir em lousa eletrônica se não há bons profissionais nas escolas). Mas, se não houver uma profunda mudança que faça com que as pessoas enxerguem verbas governamentais como dinheiro público, ou seja, de todos; enquanto as pessoas que lidam com esse dinheiro não se sentirem responsáveis por todos os donos desse dinheiro (em suma, toda uma cidade, estado ou nação), as coisas tendem a continuar iguais.
É por isso que eu penso que, embora as demandas sejam urgentes, as soluções não são imediatas, pois envolvem toda a formação cultural e política de um povo. Incomoda-me o aparente apaziguamento que as resoluções mencionadas no início deste texto podem trazer, ao nos dar a sensação de que vencemos. De jeito nenhum: apenas começamos. A maior criminalização da corrupção, a conquista de mais verbas para educação e saúde são resultados positivos, mas para consolidadar mudanças é preciso que cada cidadão, em sua pequena esfera de atuação, se envolva ativamente. Isso sim é fazer política, com ou sem partido. Vai além das siglas e da culpabilização maniqueísta de algumas figuras públicas.

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