Saúdo a nova semana que chega, com alívio. A semana anterior
teve horas tão pesadas, com uma tensão tão densa que quase se podia tocá-la com
as mãos. Não era apenas a última semana antes do segundo turno das eleições,
mas uma semana cheia de afazeres que não terminavam nunca. Uma semana em que um
anjo safado, um chato de um querubim, predestinou que eu teria que trabalhar
com algumas pessoas estressadas. Bem poucas, na verdade, mas com o
impressionante poder de tirar a calma de todos ao seu redor. Ou quase. Porque,
no meio de tudo isso, eu estava lendo Machado de Assis.
Hein? Pode se perguntar um leitor incrédulo, pensando talvez
que haja algum autor de auto-ajuda com este nome. Não, trata-se dele mesmo, do
“grande Machado”, como diriam alguns, do Joaquim Maria, como eu diria, na minha
pretensão de intimidade com este autor que me proporcionou e proporciona tantas
horas de prazer e reflexão.
E não é que lá estava eu, enquanto as pessoas ao meu redor
se estressavam e mordiam a própria sombra por coisa pouca, com Dom Casmurro em minhas mãos? E pude
recorrer a passagens fascinantes desta obra que nunca se esgota. Sim, eu já li
este livro muitas vezes, E a cada vez que vou abordá-lo em uma aula, dou-me
novamente o deleite de revisitá-lo. E a cada vez, percebo coisas novas.
Pobre daqueles que pensam que só se trata de um livro sobre
adultério. Que pensam que sua grande questão é se Capitu traiu ou não
Bentinho... Isso é o que está na superfície, mas há outras coisas mais
profundas neste livro. Para mim, por exemplo, um dos seus temas mais
interessantes é a passagem do tempo. Ou a persistência da memória, essa coisa
difusa que também se molda ao sabor das paixões. Vejo o velho Bento Santiago a
contemplar Bentinho e sua amiga Capitu, a companheira da meninice, como contempla
os retratos da réplica da casa de Matacavalos. São imóveis, inertes, mortos.
Não adianta tentar atar as pontas da vida, elas estão para sempre separadas. Só
a memória, só a narrativa as une. O gesto da escritura é a única forma de lutar
contra o tempo inexorável.
As pérolas que reluzem nas páginas do livro sobre este tema
são várias, mas se encontram também em outros títulos do autor. Como esquecer
do delirante passeio de Brás Cubas, no dorso de um hipopótamo, a contemplar a
sucessão dos séculos – e concluir a repetição da tragicomédia humana por tantas
civilizações? E as reflexões do menos irônico e mais melancólico Conselheiro
Aires, em seus passeios pelas ruas do Rio, já no outono de sua vida (e da
carreira do autor)?
Então eu volto para aquele “quase” do final do primeiro
parágrafo. Diante dessas reflexões sobre o tempo, com as quais Machado de Assis
sempre contribuiu, acho que estou aprendendo a sorrir mais. Nesta semana, eu
me flagrei com um sorriso que um colega classificou como “de Monalisa”, mas eu
diria ser “um sorriso de Brás Cubas”, aquele sorriso de quando se compreende o
quanto a humanidade é lamentável e se resolve aceitar o fato. Diante daqueles
que se julgam tão importantes, que se estressam tanto (porque eles precisam
fazer tudo, afinal, ninguém o faria tão bem e perfeitamente), que perdem
completamente a gentileza para com os que estão ao redor, ou com aqueles que
pensam diferentemente, nada nos faz tão bem quanto um sorriso de Brás Cubas.
E pensar na inexorabilidade do tempo me acalma, porque me
faz enxergar a inutilidade de tanta preocupação, de tanto desgaste. Alguns
problemas são pequenos demais se pensarmos na dimensão do mundo e de sua
história. Afinal, daqui a pouco tempo, seremos apenas retratos na parede –
talvez nem isso, nessa era em que quase não se imprimem mais fotografias...