Começo a segunda - e a semana - lendo Carlos Drummond de Andrade. Por que o verso é minha cachaça, como eu já disse em outro post. Ontem, durante as apurações das eleições eu estava, literalmente, bebendo cachaça. Agora, segunda de manhã, pega mal. Temos que manter a sobriedade, embora nos pareça que todos se embriagam, tamanha incoerência entre o que se diz e o que se faz.
Não, não vou falar exatamente dos resultados das urnas. Na conversa que travo com Carlos, mais uma vez - já conversamos tanto que o trato pelo primeiro nome - ele me fala sobre a "ração diária de erro, distribuído em casa", pelos ferozes "padeiros e leiteiros do mal", e isso já na década de 40. Toma-me a sensação de que realmente a humanidade anda em círculos.
Mas discuto com Carlos: quem são estes "padeiros e leiteiros do mal"? Ah, a minha insolência em discutir com os poetas que já têm seu capítulo no livro didático de literatura e até caem no vestibular... Mas foi você um dos que me ensinou a ser insolente, Carlos, aguente agora. Mas Carlos só me responde que "o tempo não chegou de completa justiça", que "o tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse".
E que impasse! Como eu disse antes, não é o resultado das urnas. É tudo o que vem antes dele, e tudo que o motiva. Começo pelo mais grave: a profunda lacuna educacional que impede que as pessoas compreendam o que é a política. E a profunda (e cômoda) falta de consciência que leva a maioria a sempre colocar a culpa de tudo "nos políticos", esses seres que vieram de Marte, talvez, já que ninguém se identifica abertamente com eles.
A coisa mais desoladora é ver essa contradição. Pessoas que falam em mudanças, mas nem conseguem enxergar as mudanças que estão em curso, nem compreender que elas ocorrem em um processo (e não por um passe de mágica) que envolve toda uma sociedade com velhos e lamentáveis hábitos. Pessoas que reclamam do estado em que as coisas estão, falam da necessidade de uma "nova política" mas mantêm um governo estadual que está no poder há décadas, tempo que lhe foi suficiente para consolidar a falência da escola pública e a total desvalorização do professor, entre outras provas de incompetência e descaso. Pessoas que reclamam da impunidade, mas quando se dirigiam ao seu local de votação com seu carro, fizeram questão de estacionar em local proibido e dificultar absurdamente o trânsito; ou que, sem documento com foto, faziam aquele escândalo em sua seção quando o mesário dizia que sem este documento ele não poderia votar. Claro: onde estão os meus direitos? Deveres, hein, o que é isso?
Carlos me responde que "é tempo de partidos, tempo de homens partidos", mas isso ficou no passado, querido poeta. Hoje as pessoas se revoltam contra os partidos, dizem que não acreditam na política partidária, que "político bom é político morto" (pasmem, ouvi isto ontem, literalmente!), que se não fosse obrigatório não votariam. Ah, eu preciso parar de fazer análise do discurso nos almoços familiares, pois está ficando cada vez mais difícil engolir. Enfim, vos pergunto, concidadãos: vocês realmente acham que em um período da história em que não existiam nem eleições, nem partidos, estávamos melhores? Quando reis governavam hereditariamente por direito divino estávamos melhores? Por favor, me instruam: citem um sistema de governo melhor, proponham-no publicamente, não guardem a sabedoria apenas para vocês.
Ironias à parte, estou um pouco cansada da lamentação inócua, que só faz eco e cai no mais absoluto conformismo. Eu não penso que nosso sistema político e partidário seja ótimo. Mas faço questão de votar. Pessoas morreram para que eu tivesse esse direito. E se eu não estou satisfeita com os partidos, seus líderes e seus eleitos, posso dizer isso abertamente neste blog, ou propor a fundação de um novo partido, ou eu mesma me candidatar por um deles. Pessoas também morreram para que eu tivesse esses direitos.
"Por fogo em tudo, inclusive em mim" não é uma boa opção, Carlos. Sim, sei que às vezes somos tentados a isso. Eu também já sonhei "dinamitar a ilha de Manhattan", inclusive, já o fizeram, mas creio que isso não resultou em nada positivo. Sei que você sorrirá, talvez me chamará ingênua, querido poeta, mas eu acredito que o mundo é resultado das nossas escolhas, ou da nossa omissão. Então, se não estamos felizes com as opções que temos nas urnas, isso é sim resultado das nossas escolhas e omissões. Acabo de ver um vídeo do Porta dos Fundos sobre isso. Ele expressa a insatisfação do povo brasileiro com a "falta de opções" em relação aos políticos. Mas não questiona minimamente o que fazer diante disso. Que pena que o problema não seja na urna, mas naquela pecinha que fica bem em frente e aperta os botões! Para quem quiser ver o vídeo, acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=e8h7D97w5Bo
O povo brasileiro quer continuar pensando que aquela lista de candidatos não nos representa. Não creio que apenas por ingenuidade, mas também por comodismo. Sim, aquela lista de candidatos colada nas paredes das zonas eleitorais pelo Brasil afora representa a nossa sociedade. Se eles não têm noções suficientes sobre a gestão pública, se são corruptos e desonestos, se só querem se eleger para "mamar nas tetas do governo", eles aprenderam esses valores na sociedade brasileira que os formou. E se eles foram eleitos, é porque alguém se identificou com eles e com seus discursos, não é?
"Preso à minha classe e a algumas roupas", angustio-me, Carlos. Vejo essa falta de auto-responsabilização e essa desqualificação da política institucional como algo muito perigoso. Afinal, com a justificativa da corrupção e do caos que reinavam no país, já instauraram ditaduras antes. Será que ninguém percebe que delegar o trabalho de "salvar a pátria" para alguém pode parecer mais cômodo, mas o resultado poder ser hediondo? Será que Hitler e outros tantos ditadores já não nos mostraram essa lição?
"Em vão tento me explicar, os muros são surdos", Carlos. Ao menos tenho você para conversar. Mas não me contento, preciso falar para mais pessoas, pois "meu coração não é maior que o mundo, é muito menor, nele não cabem nem as minhas dores". Preciso escrever.
Mas, às vezes, me questiono: "devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me?" Hei de ver uma flor "furar o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio".
Enquanto a flor não nasce, resta-nos suportar a náusea.
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