segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Mais difícil ainda é não escrever

Dias que não passam, eles parecem quicar e já desaparecer. Queria que as horas realmente passassem, que eu pudesse sentir seu passo indiferente, mas elas não me dão esse direito, tão depressa atropelam meus dias. É sempre assim no final do ano: parece que as horas estão treinando para a corrida de São Silvestre!
E nesse atropelo de horas e dias, a literatura foge de mim. Porque poesia requer lentidão, a poesia me obriga a parar o passo para olhar a copa das árvores, a interromper o fluxo para deixar que os versos imponham seu ritmo. E como fazer isso nesse turbilhão de coisas? De provas, de notas, de documentos a preencher e assinar? Aí vejo de longe as palavras que me observam ressentidas de eu trocá-las pelos números. Creiam, minhas amadas, é pela necessidade e não pela paixão...
Não tenho escrito com frequência e isso me faz mal - é como uma insônia às avessas, pois me sinto adormecida para aquilo que o mundo tem de mais fascinante: tenho que fechar os olhos e os ouvidos, pois não posso correr o risco de ser capturada pelo lirismo; tenho que soprar qualquer flama que ameace se acender em mim. Para mim, que adoro me distrair, é penoso...
Dia destes li uma crônica de Vinícius de Moraes, a trabalho e não a passeio, mas não adiantou - as palavras de Vinícius me reviram sempre, ainda que não sejam as dos seus poemas que me eriçam a pele. A crônica falava da dificuldade de se escrever uma crônica. Da crise de criatividade que por vezes assola o escritor obrigado a publicar semanalmente. E eu, na minha proverbial imodéstia, comecei a discutir com Vinícius. Que crônica era tudo que fluía dos dedos do escritor, assim, de forma fácil. Que eram como o pão de cada dia, e isso não é desmerecê-la, não! A crônica é aquele almoço que a gente prepara com o que encontra na geladeira, com os legumes da estação, e nem por isso o sabor é menor.
A crônica está nos sabores do cotidiano. E o que ocorre despretensiosamente e que chamamos de cotidiano é muito bom, assim como a crônica, que não tem mania de grandeza. E nisto está sua beleza. Sabe-se passageira, então esforça-se para, nesse instante, deixar algumas gotas de lirismo matutino, como uma aurora a espalhar seu orvalho sobre o aparentemente áspero e monótono do dia a dia.
Se é difícil escrever uma crônica? Às vezes. Mais difícil ainda é não escrever.

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