sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Declaração de amor

Chegou o momento de eu declarar sem delongas: amo (sim, a palavra é esta mesmo!!!) minha língua. Aliás, que audácia declará-la minha! É assim quando amamos algo: queremos possuí-lo e, linguisticamente, expressamos isso dizendo: "meu amigo", "meu namorado". Então digo também "minha língua", embora ela seja de tantos milhões de habitantes nesse planeta.
Faço essa declaração de amor corajosa. Se me perguntam por que corajosa, explico: tanta gente fala mal de nosso idioma! Dizem que ele é difícil, complicado; outros, falantes nativos dele, têm coragem de declarar outras línguas como mais belas. Coisas assim, que desabonam o idioma nacional.
Não, não vou começar aqui a discorrer sobre aqueles que "assassinam o idioma pátrio" - odeio essas coisas! Na verdade, o que enxergo mesmo são pessoas que, ao invés de assassiná-lo, reavivam o idioma, a cada dia, com suas novas gírias, expressões populares, tantas delas sonoras e interessantes. As gramáticas normativas são senhoras sisudas, que não compreendem a juventude! E aqueles que têm seus ouvidos doloridos por qualquer errinho de concordância, não se deram conta ainda que é um fenômeno comum entre várias línguas do mundo marcar o plural numa palavra inicial da frase, pois o cérebro humano é capaz de perceber que a idéia de plural se estende às demais. É assim no francês, por exemplo, cujo plural, na oralidade, não é pronunciado (embora marcado na escrita) em todas as palavras. Mas os franceses são très chic, enquanto nós, falantes do português que fazemos isso, somos ignorantes, analfabetos e por aí vai...
Mas minha declaração de amor à língua materna vai além dessas pendengas gramatiqueiras! Eu gosto muito da expressão "língua materna", pois ela traduz a sensação de pertencimento que sinto com o idioma. Quando passei dois meses fora do Brasil, ouvindo na televisão e nas ruas outro idioma que não era esse que assimilei de minha mãe, de minha família, percebi o quanto isso me fazia falta. E me lembro de uma amiga que, tendo passado um ano na Alemanha, disse para mim que se comoveu ao chegar aqui e ouvir as pessoas falando o português na rua, com sua musicalidade singular.
Efeito puro e simples da saudade? Talvez um pouco... Mas eu realmente creio que a língua portuguesa é a mais bela, a única na qual consigo me expressar inteiramente. A única na qual consigo fazer versos. Posso vir a escrever artigos, reportagens, tratados científicos em línguas estrangeiras - mas a poesia, o êxtase da linguagem, só acontece na minha língua materna, que povoa os meus sonhos.
Como disse o Fernando Pessoa: "Minha pátria é a língua portuguesa". E olha que o Pessoa fazia poesias em outras línguas também. Mas talvez só transcendesse na nossa língua. Que bom dizer isso: nossa língua. Alguma coisa eu partilho com esse poeta que tanto admiro...

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