terça-feira, 4 de outubro de 2011

A propaganda ensina

Sou uma leitora compulsiva, leio tudo que me cai nas mãos, e até o que não me cai nelas e ficam diante dos olhos - placas, filmes, novelas, progagandas. Sento em frente à televisão para descansar, mas não consigo não pensar diante dos textos que me aparecem.
Um deles foi uma série de propagandas intitulada "Hope ensina", da famosa rede de roupa íntima feminina, encenada por, nada mais, nada menos, Gisele Bündchen. Nos anúncios, a musa das passarelas ensina a nós, mulheres, como se deve dar notícias aos maridos. Confira alguns:







Só por apresentar uma mulher considerada símbolo de beleza e sensualidade, em roupas íntimas, a propaganda já chamaria a atenção, mas chamou a minha por seu implícito conteúdo machista, velado, como na maioria das vezes, pela perspectiva do humor. Felizmente, essa percepção não foi apenas minha (esse país tem muitas mulheres inteligentes!), pois a propaganda foi suspensa nos meios televisivos desde a a semana passada, e está sob processo do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), depois de manifestação de repúdio da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).
Quando acontece algo do gênero - a suspensão de uma propaganda por questões éticas - é interessante observar, em sites da web, os comentários que seguem as reportagens que a noticiam. Em vários sites, li coisas do tipo "Não tem nada a ver, a propaganda só é engraçada, não deprecia a mulher". Um deles dizia que "feministas hardcore estavam deturpando a propaganda, criando preconceitos", seguido por outro que dizia que "o que as feministas estavam precisando é de Hope". A maioria dos comentários se mostrava contrária às manifestação da SPM e do CONAR, ou sob alegação de censura, ou de que as mulheres estavam "viajando", pois a propaganda "enaltecia a beleza da mulher, ao invés de ofender".
Que me desculpem os ingênuos de plantão (aqueles que não veem maldade em nada e que riem de tudo), mas os anúncios têm evidente conteúdo depreciativo à mulher. Reforçam os estereótipos da mulher consumista (que estoura o cartão de crédito do marido), que dirige mal (bate o carro do marido repetidas vezes) - colocando a imagem da dependência da mulher em relação ao homem - e que, incapaz de bons argumentos, tem que usar o corpo para convencê-lo. Esse sem dúvida é o estereótipo mais perverso: desprovida de bens (seja a conta bancária, o carro ou a inteligência), resta à mulher brasileira utilizar o sexo como arma de convencimento.
Tudo isso aprendemos em livros, novelas, propagandas, piadas - imagens poderosas que povoam nosso inconsciente coletivo. Daí o perigo de não percebermos que se trata sim de mais uma forma sutil de depreciação da mulher. A grande arma do machismo contemporâneo é a falácia de que ele não existe, apenas porque as mulheres podem trabalhar fora e votar. Conquistas importantes, sem dúvida, mas que não são suficientes.
Devemos aprender sim com as propagandas - sobretudo a questioná-las. Que fique claro que não sou contra a publicidade. Ela não cria preconceitos, ela apenas reflete os que existem na sociedade. E como qualquer texto, deve ser lida criticamente.

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