segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Abrindo Janelas

Aprendi a ler não apenas com os olhos, mas com as mãos que tocavam lentamente a capa, com dedos que apertavam levemente cada página para sentir a textura e a gramatura do papel. Tenho uma relação sensorial com os livros, tanto que, quando li pela primeira vez “Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector, fiquei encantada com a forma como ela descreveu a personagem com seu livro: “era uma mulher e seu amante”.
Mas até essa amante dos livros que vos fala rendeu-se às novas tecnologias. Meu novo livro, Janelas Abertas, publicado pela Editora Adonis, está sendo lançado em e-book. Passada a natural resistência ao desconhecido que habita todo ser humano, também fiquei maravilhada com as possibilidades ilimitadas: o e-book é uma janela que se abre em qualquer lugar. Não têm os limites físicos da distribuição que o livro impresso têm. Aí a escritora em seu voo imaginário pensa em seu livro chegando talvez a um leitor no Japão. Menos, Lia, diria o leitor realista... Tudo bem, foi só um voo, mas quem sabe o tempo não escancare as janelas.
E já que estamos testando novas formas de ler e se comunicar com esta juventude cada vez mais conectada, amanhã estou fazendo meu primeiro lançamento literário virtual. Por hangout, vou falar sobre Janelas Abertas, sobre como este rebento gestou-se antes de rebentar em texto; sobre as hesitações, angústias e alegrias que me trouxe... Ah, os filhos dão trabalho, sempre, mas a gente os cria para o mundo.



É engraçado falar deles, de meus livros e personagens, desta forma tão familiar – um dia destes alguém me olhou com estranheza quando falei de Jéssica, a protagonista de Janelas Abertas, como uma pessoa. Mas o fato é que a gente convive com nossos livros (e personagens) antes de escrevê-los, como bem sugeriu nosso querido Drummond em “Procura da Poesia”. E posso dizer que a convivência com Jéssica foi intensa e por vezes dolorosa. Ela é jovem, mas, em seus 17 anos, acumulou histórias de abandono, violência e privação que, infelizmente, não são tão incomuns entre as meninas brasileiras. Jéssica é um amálgama de tantas meninas e mulheres que conheci, cujas vozes foram se misturando na sua, que escreve, canta, mas que ainda não consegue gritar contra tudo o que a oprime.  
Mas não pensem que esta personagem não me trouxe alegrias. Não existe alegria mais legítima do que abrir janelas em paredes que pareciam esmagar-nos. Jéssica saiu do quarto apertado e escuro da sua infância. Ela caminhou pelas ruas de Campinas. Ela descobriu um caderno verde, poemas de Cecília Meireles, amizades fieis. Ela ainda não sabe tanta coisa sobre si mesma e sobre seu passado, o mundo ainda parece muito hostil para uma garota como ela. Mas não é que a menina nos surpreende, no final?

Espero que o diálogo com Jéssica (que nem sempre é tranquilo) também abra aos leitores as janelas da indignação, da perplexidade e também da esperança e da alegria. Porque Jéssica, assim como eu, tem essa alegria teimosa: de ser alegre de propósito, só de pirraça, nesse mundão de tanta tristeza.

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