Aprendi a ler não apenas com os olhos, mas com as mãos que
tocavam lentamente a capa, com dedos que apertavam levemente cada página para
sentir a textura e a gramatura do papel. Tenho uma relação sensorial com os
livros, tanto que, quando li pela primeira vez “Felicidade Clandestina”, de
Clarice Lispector, fiquei encantada com a forma como ela descreveu a personagem
com seu livro: “era uma mulher e seu amante”.
Mas até essa amante dos livros que vos fala rendeu-se às
novas tecnologias. Meu novo livro, Janelas
Abertas, publicado pela Editora Adonis, está sendo lançado em e-book. Passada
a natural resistência ao desconhecido que habita todo ser humano, também fiquei
maravilhada com as possibilidades ilimitadas: o e-book é uma janela que se abre
em qualquer lugar. Não têm os limites físicos da distribuição que o livro
impresso têm. Aí a escritora em seu voo imaginário pensa em seu livro chegando
talvez a um leitor no Japão. Menos, Lia, diria o leitor realista... Tudo bem,
foi só um voo, mas quem sabe o tempo não escancare as janelas.
E já que estamos testando novas formas de ler e se comunicar
com esta juventude cada vez mais conectada, amanhã estou fazendo meu primeiro
lançamento literário virtual. Por hangout,
vou falar sobre Janelas Abertas,
sobre como este rebento gestou-se antes de rebentar em texto; sobre as
hesitações, angústias e alegrias que me trouxe... Ah, os filhos dão trabalho,
sempre, mas a gente os cria para o mundo.
É engraçado falar deles, de meus livros e personagens, desta
forma tão familiar – um dia destes alguém me olhou com estranheza quando falei
de Jéssica, a protagonista de Janelas
Abertas, como uma pessoa. Mas o fato é que a gente convive com nossos
livros (e personagens) antes de escrevê-los, como bem sugeriu nosso querido
Drummond em “Procura da Poesia”. E posso dizer que a convivência com Jéssica
foi intensa e por vezes dolorosa. Ela é jovem, mas, em seus 17 anos, acumulou
histórias de abandono, violência e privação que, infelizmente, não são tão incomuns
entre as meninas brasileiras. Jéssica é um amálgama de tantas meninas e
mulheres que conheci, cujas vozes foram se misturando na sua, que escreve, canta,
mas que ainda não consegue gritar contra tudo o que a oprime.
Mas não pensem que esta personagem não me trouxe alegrias. Não
existe alegria mais legítima do que abrir janelas em paredes que pareciam
esmagar-nos. Jéssica saiu do quarto apertado e escuro da sua infância. Ela
caminhou pelas ruas de Campinas. Ela descobriu um caderno verde, poemas de
Cecília Meireles, amizades fieis. Ela ainda não sabe tanta coisa sobre si mesma
e sobre seu passado, o mundo ainda parece muito hostil para uma garota como
ela. Mas não é que a menina nos surpreende, no final?
Espero que o diálogo com Jéssica (que nem sempre é
tranquilo) também abra aos leitores as janelas da indignação, da perplexidade e
também da esperança e da alegria. Porque Jéssica, assim como eu, tem essa
alegria teimosa: de ser alegre de propósito, só de pirraça, nesse mundão de tanta
tristeza.
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