Sim, o aniversário já passou... Mas minha nostalgia
continua. É a velhice, dirão alguns maledicentes. É fevereiro, direi eu. E um
pouquinho de tempo para pensar e escrever.
Ontem estava assistindo a um programa de variedades na
televisão, enquanto almoçava. É impressionante, eu não me contento em comer a
comida do meu prato, eu tenho que comer com os olhos os pratos que não posso
comer. Masoquismo? Talvez, mas adoro ver programas de culinária quando almoço
ou janto sozinha.
E foi em um desses programas que comecei a pensar (ai, esse
velho vício) nas coisas que perdemos porque complicamos. Antes, havia
cozinheiras e cozinheiros, agora, há chefs.
Antes, as pessoas cozinhavam, faziam um rango legal; agora elas se dedicam à
culinária ou, se for mais chique ainda, à gastronomia. Antes, a gente reunia o
pessoal em casa, preparava a janta (e não um jantar), algo bem gostoso para
comer como se não houvesse amanhã; hoje, vemos propagandas de receitas “para
impressionar os amigos”. Se eles são realmente seus amigos, para que
impressioná-los? Ou se eles não são tão seus amigos (a ponto de ser preciso
impressioná-los), por que convidá-los para comer na sua casa? São perguntas que
perturbam o meu coração...
Comer é algo necessário, instintivo, e também prazeroso.
Ultimamente, o ato de comer tem perdido essa naturalidade, tem se tornado quase
um ritual, seja médico, seja educativo (nunca vi tantas crianças com “problemas
para comer”), seja de sofisticação social. Algo que me incomoda é ver receitas
simples e populares se transformando em “gourmet” – é só colocar esse adjetivo
mágico e tudo fica chique e triplica de preço. Antes, pão com mortadela era
coisa de pobre, mas depois que virou patrimônio do Mercado Municipal de São
Paulo (que de mercadão não tem nada!), a mortadela subiu de preço. Como costuma-se
dizer: alegria de pobre dura pouco... E a mudança de nomes? A asinha do frango
era coisa de pobre, mas aí foi rebatizada de drumete (olha que chique!), e o
novo nome justifica novos usos e preços.
Mas nada me choca mais do que o food truck! Eu ouvi um colega falar essa palavra, e depois, ela
apareceu justamente no programa culinário que eu assisti ontem. Brasileiros
falando da culinária dos food trucks!
Onde foi parar a nossa boa e velha barraca de comida, nosso conhecido trailer
de lanche, nossa tradicional comida de rua? Para que adotar uma palavra
estrangeira se já temos estas, tão boas, conhecidas e eficientes na
comunicação? Explica-se: é que o food
truck é diferente, ele traz um cardápio gourmet! Ah, bom!
Lembrei-me do trailer de lanche preferido da minha
adolescência (Caçapava tinha dezenas deles e não tinha Mc Donald’s!): o Trailer
da Tonha. O seu melhor sanduíche se chamava “Frangão”: peito de frango cozido e
desfiado, frito na chapa com bacon, ali na sua frente, pois já se começava a
comer pelo cheiro. O pão tostando, ao lado, ansioso pelo recheio, e você, pelos
dois... Ela jogava uma colher generosa de vinagrete, esperava o recheio secar,
jogava em cima uma boa quantidade de mussarela ralada, que derretia
maravilhosamente. Tudo isso ia para o pão enorme. E para suas papilas
gustativas ansiosas!
A gente atravessava a cidade para comer um
frangão da Tonha, a pé ou de bicicleta. E não tinha chef, nem cardápio gourmet,
nem ingredientes importados. Saudade dessa comida tão simples, tão
despretensiosa, que não se ousava chamar culinária.