quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O presente do tempo

Chove a cântaros na cidade de Campinas. E eu estou escrevendo crônica na hora do almoço. E estou usando a palavra "cântaros". Talvez por isso esteja chovendo: hoje tenho tempo para almoçar minha própria comida, para gargalhar sozinha lendo uns textos hilários do Veríssimo e ainda para escrever, olhando pela minha janela um céu de cinza denso, como há muito tempo não se via por estas bandas. Tanta raridade junta, na visão popular-mineiro-filosófica, só podia dar em chuva.
É interessante como precisamos da carência de algo para se perceber como ele é importante. Não me refiro apenas à chuva, mas ao tempo. Separar esse tempo (mesmo que curto) para ler um texto que nos agrade, para fazer feijão com angu e mostarda refogada, para escrever o que passa pela cabeça... É uma delícia fazer estas coisas simples. Se alguém me perguntar o que quero ganhar no próximo aniversário, eu diria: traga-me algumas horas de absoluto ócio. Nem precisa embrulhar para presente, e mais: você não precisa me dar as horas, pode apenas compartilhar as suas comigo, para não perdê-las. Seria maravilhoso. Se vários amigos se juntassem e cada um doasse uma hora, e considerando a pessoa de sorte que sou, que conto os amigos do peito em mais de uma mão, teríamos mais que uma tarde de boa prosa, talvez cantoria e alguns versos, e certamente uma boa bebida.
A chuva continua seu fluxo lá fora, assim como o tempo. Mas aqui dentro da minha sala, seguro-o com as mãos, enquanto a contemplo. As gotas caem ininterruptamente e escorrem pelo vidro da janela. O barulho porém é suave, mansidão que meu coração precisa. Sei que daqui a alguns minutos o trabalho me espera, a louça, as contas, as obrigações... Mas nesse instante, não preciso de mais nada além desse instante. Tautologia que se explica: a plenitude é um estado em que não se deseja nada.

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