Vou começar mais uma crônica falando do outono e que tenham
paciência comigo... Eu amo o outono, a estação em que as coisas mais
imprevistas ocorrem na minha vida e na qual, assim como o azul do céu, tudo se torna mais
denso. Mas nesses dias não pude deixar de lembrar daquele maravilhoso título do
romance de Steinbeck, O inverno da nossa
desesperança – porque parece que a desesperança generalizada chegou uma
estação antes, nesse ano...
Antes eu me entristeci com as imagens do vazio das ruas de
Roma, agora me entristeço com o vazio das ruas das nossas cidades; e me
pergunto se a comoção que me tomou quando vi imagens dos idosos morrendo
sozinhos e dos enterros vazios também vai se repetir daqui a pouco, de forma
mais dolorosa, quando se passarem aqui. A insegurança nos toma ao pensar na
irresponsabilidade, inépcia e perfídia dos nossos governos e elites (para usar
palavras elegantes, ainda que não mereçam), que falam banalmente em alguns
milhares de mortos como uma conta pequena a pagar para “salvar a economia” que
já estava moribunda...
Mas diante de tudo isso, desse outono que parece inverno, eu
olho para a minha estante e Carlos me diz mais uma vez para eu ficar firme,
pois “havemos de amanhecer”. Cecília me diz também que “a vida só é possível
reinventada” – então começo a reinventar esse outono difícil, ensaiando passos
de dança na sala, testando receitas; nos intervalos da escrita da tese,
rabiscando alguns versos e mandando mensagens cheias de amor, porque esse
isolamento está criando uma multidão de carentes...
Então começo a reinventar ainda mais pensando no final dessa
quarentena – e como tenho uma imaginação muito fértil, vejo a notícia nos telejornais:
gráficos mostrando a queda dos contágios, pessoas festejando ao redor do mundo,
jornalistas tentando pegar depoimentos de pessoas eufóricas pulando abraçadas
nas ruas...
No Brasil, como tenho dito para todos os meus amigos, as
festas juninas de 2020 serão inesquecíveis, com um sabor de liberdade nunca suspeitado;
dançaremos as quadrilhas mais animadas do século. E estou até fazendo uma
campanha para que as pessoas ponham em prática a letra de Valsinha, do Chico Buarque:
serão tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais, que o
mundo amanhecerá em paz! Pensando bem, esse será o outono da nossa esperança...
Tudo bem, podem dizer que estou viajando (tem coisa melhor,
gente?), que sou sonhadora demais, que vivo no mundo da poesia. Mas quanto mais
as notícias desafiarem minha alegria, mais versos eu faço! Só por coragem, como
diria o Guimarães Rosa...