quinta-feira, 12 de maio de 2011

Gente diferenciada


Adoro figuras de linguagem. Não apenas pela beleza e expressividade que dão a textos literários, mas pela vivacidade que dão à fala cotidiana, e sobretudo por aquilo que elas revelam escondendo. É o caso do eufemismo.
Essa figura de linguagem saltou aos meus olhos ontem quando vi uma notícia sobre um movimento organizado em Higienópolis, bairro nobre da capital paulista, para impedir a construção de uma estação de metrô em uma de suas principais avenidas. Motivo: a estação aumentaria o comércio ambulante, que atrapalharia o sossego das pessoas que andam a pé pelo bairro, além de trazer o risco maior de ocorrências [policiais?] pelo aumento da circulação de gente diferenciada por ali.
Obviamente, os bem nascidos moradores de Higienópolis não temem o aparecimento de pessoas que se destacam dos demais por suas qualidades intelectuais, profissionais etc. Gente diferenciada é um eufemismo para pobres, que, no dicionário da sociedade paulistana (e de muitas outras capitais brasileiras e internacionais, certamente), tem o sentido de pessoas que enfeiam a paisagem, sujam a cidade, ameaçam nossas propriedades e nos lembram das mazelas sociais que nós mesmos alimentamos. Em suma, um elemento indesejável. É melhor que a sujeira fique embaixo do tapete, ops, dos viadutos afastados das residências das pessoas de bem (ou não seria mais correto dizer "de bens"?).
Fico feliz em saber, que, através das redes sociais, muitas pessoas fizeram ironias (outra figura de linguagem!) e chacotas com o caso. Realmente,  a situação é um tanto ridícula e merece o riso, principalmente quando vemos a proposta de um churrasco em frente ao shopping Higienópolis como forma de protesto. O cartaz é hilário:

 

Mas o que parece risível, num primeiro momento, é coisa muito séria. Episódios como esse ressaltam as fronteiras geográfico-sociais das grandes cidades brasileiras, além desse olhar de desprezo para as classes pobres que, a meu ver, só alimenta a violência urbana. É notável a cegueira das classes abastadas ao se perguntarem por que tanta crueldade em alguns assaltos, sequestros... Como diz o ditado, "amor com amor se paga". Ódio também...

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