segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Todo mundo tem a sua cachaça



Sabe aqueles quadros compartilhados à exaustão no Facebook, que colocam “Como meus amigos me veem”, “Como minha família me vê”, “Como eu me vejo” para várias profissões ou situações? Fiquei pensando em como seria um quadro destes que retratasse o escritor.
Há reações diversas quando declaramos para alguém sermos escritores, mas frequentemente ocorre uma certa perplexidade – para não dizer mesmo que alguns se sentem diante de um E.T.. Às vezes, percebe-se alguma deferência: as pessoas nos parabenizam, e não raro falam que gostam de ler, ou sobre a importância da leitura, mas se esquivam delicadamente quando  mostramos um exemplar do livro, com medo de que sejam obrigados a comprá-lo.
Outra reação comum é um olhar de piedade, de complacência, como se dissesse “Puxa, coitado de você que sonha em viver de literatura”. Foi esse o olhar de um professor de ensino médio, quando eu lhe disse, um dia, que eu escrevia poemas e queria ser escritora. Não contente com o olhar e para não deixar dúvidas, ele completou: “Você tem vocação para faquir?”.
Frequentemente, também escuto, ao dizer que sou escritora: “Que legal! Eu faço oficina de origami e dança de salão.” E então você delicadamente explica que não se trata de um hobby, de um passatempo. Nos últimos meses, fui chamada a dar palestras para jovens e professores e uma pergunta que apareceu bastante foi: “Além de escrever, você trabalha?” E as pessoas perguntam isso a sério, porque no imaginário geral da nação, escrever não é um trabalho, nem ser escritor é profissão.
E na contramão deste pensamento, estão aquelas pessoas que acham que você está ganhando muito dinheiro. Aquelas que acham o livro uma fortuna, mas não pensam que, para que ele chegue à estante da livraria, além do escritor, várias pessoas trabalharam: o editor, o ilustrador, o diagramador, o revisor, funcionários da gráfica, o divulgador, o distribuidor, o vendedor... Aquelas que reclamam que seu livro está muito caro, mas que gastam o dobro sem reclamar para comprar qualquer outra coisa. Isso quando elas não pedem um livro de graça, sem pensar que o autor, muitas vezes, está pagando para trabalhar, pois, além de escrever seu livro, custeou sua edição do próprio bolso. Ou, se não o fez, não está ganhando mais do que alguns centavos por exemplar vendido.
E para terminar com a “pureza das respostas das crianças”, uma vez eu estava fazendo contação de histórias em uma escola, e um menino me perguntou se eu estava ganhando bastante dinheiro com o meu livro. Eu disse: “Não, apenas escritores que são celebridades e vendem muitos livros conseguem realmente se sustentar com isso”. Ele me olhou estupefato e disse: “Uai, então por que você escreve livro?”.
Essa é uma pergunta que eu já me fiz muitas vezes. Diante da pouca valorização do escritor pela sociedade (e não me venham com aquele blábláblá de que você valoriza o escritor se você vai ao lançamento do livro, mas não compra porque vai tentar fazer o download de graça depois); diante da dificuldade de publicar em um mercado editorial que frequentemente vai pensar primeiro na vendagem do livro e depois na sua qualidade artística; diante da aventura de ter que conciliar a criação e a escrita com tantos outros afazeres que pagam as minhas contas, eu já me questionei em por que continuar escrevendo.

Mas não parei. E só Drummond conseguiu me dar uma resposta. É que meu verso (ou minha crônica, meu conto, meu romance) é minha cachaça. E todo mundo tem a sua cachaça.

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